segunda-feira, 27 de julho de 2015

Pedido de recuperação judicial: Editora Abril está agonizando

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Aumentam os rumores de que nos próximos dias a Editora Abril deverá entrar na Justiça com pedido de recuperação judicial. Ingressa, assim, na penúltima fase da agonia um grupo que dominou o mercado editorial brasileiro nas últimas décadas.
Ao lado das Organizações Globo, a Abril foi o primeiro grupo editorial brasileiro a adotar o modelo dos grupos de mídia norte-americanos. Começou no país representando os quadrinhos da Disney e da Marvel. Depois, seguiu o modelo Time-Life, tendo como carros-chefes revistas que seguiam padrão similar: Veja, seguindo o estilo TimePlacaremulando o Sports IllustratedExame copiando a Fortune e Quatro Rodas.
Defensora intransigente do modo de vida norte-americano, do primado da iniciativa privada, em várias fases de sua vida valeu-se da influência política para conquistar as benesses do poder.
Nos governos militares montou a Rede Quatro Rodas de Hotel contando com os benefícios fiscais criados por Delfim Netto. No governo Sarney, conseguiu concessões de tevê a cabo. No governo Collor, quase conseguiu o monopólio das Listas Telefônicas da Telerj, negociadas pelo então presidente Eduardo Cunha.
A Abril começou a se perder ainda nos anos 90, devido a sucessivos erros estratégicos. Liderada por Roberto Civita, montou um canal de tevê, a MTV, entrou na tevê a cabo, por meio da TVA, e saiu na frente com o segundo portal do país, o BOL.
O BOL acabou perdendo a iniciativa para a UOL devido a alguns erros estratégicos – a extrema lentidão em montar a rede de telefonia, na fase pré-banda larga e em pretender ser a única provedora de conteúdo. Mas, principalmente, pelo boicote conduzido pelos executivos da área de impressos, preocupados em não perder posição no grupo.
A BOL acabou fundida com a UOL e Roberto Civita passado para trás por Luiz Frias, da UOL. Houve a fusão e a gestão da empresa ficou com o grupo Folhas. Luiz acabou aliando-se aos portugueses da Portugal Telecom e montando um aumento de capital inesperado, avisando Civita só na véspera. Civita perdeu o controle compartilhado e, mais tarde, vendeu sua parte para a UOL, por uma fatia do valor que a empresa viria a ter no decorrer dos anos seguintes.
Junto com o velho Otávio Frias, ainda tentou juntar forças para adquirir metade da TV Bandeirantes. Acompanhei de perto essa história, pois fui incumbido por Frias de fazer a ponte com João Saad, com quem tinha boas relações.
O caso NaspersDe tentativa em tentativa, a Abril foi afundando. Ganhou algum fôlego quando aceitou a sociedade com o grupo sul-africano Naspers, em uma história mal contada. O grupo assumiu 30% do capital, máximo permitido pela legislação brasileira. Outros 20% foram adquiridos por duas holdings sediadas em Delaware, EUA, e representadas no Brasil pelo escritório Mattos-Filho. Mais tarde, quando a Abril vendeu a TVA para a Telefonica, as duas holdings desaparecem da sociedade.
Os anos 2000 marcam o início da decadência final do grupo. Globalmente, a internet vitimiza o segmento de revistas. Civita decide, então, importar o estilo Rupert Murdoch. Incorpora o linguajar agressivo da ultradireita, inaugurando o estilo com a campanha contra o desarmamento; passa a vender sua opinião de forma imprudente (como ocorreu com o banco Opportunity), alia-se à organização criminosa de Carlinhos Cachoeira, beneficiando-se da complacência do Ministério Público Federal; e tenta se valer do temor que infundia para se aventurar no mercado de livros didáticos e, mais à frente, de cursos didáticos.
A Abril da coleção Os Pensadores, da revista Realidade, da História da Música Popular e de outros feitos culturais, cede lugar ao mais pernicioso jornalismo de esgoto da história da imprensa brasileira.
Recorre ao discurso macarthista para tentar afastar concorrentes e impor suas publicações. Fecha contratos importantes tanto no MEC (Ministério da Educação) quanto com o governo de São Paulo.
Quando explode a bolha dos cursos universitários – no rastro do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) – sai imprudentemente à caça de cursos, com total falta de discernimento.
Liderado por um CEO megalomaníaco, a Abril se endivida, adquire cursos superavaliados que não lhe proporcionam retorno financeiro e acaba vendendo a Abril Educacional para um fundo de investimento. Não há indícios de que o dinheiro amealhado tenha sido utilizado para resgatar a Editora Abril do mar de dívidas em que se meteu.
Enquanto isto, o faturamento editorial despencava. Para preservar a publicidade de Veja, a editora recorre ao subterfúgio de turbinar a tiragem com promoções gratuitas, burlando as regras de auditoria do mercado publicitário.
Há quatro anos, o mercado trabalhava com uma hipótese de tiragem de 850 mil exemplares para a Veja, enquanto o IVC (Instituto Verificador de Circulação) apontava ainda mais inexistentes 1,2 milhão de exemplares. Esse fosso deve ter aumentado mais ainda, já que o IVC continua sustentando a tiragem de 1,2 milhão de exemplares. De lá para cá possivelmente a tiragem caiu mais ainda, tornando mais custosa a operação de turbiná-la com assinaturas gratuitas.
Gradativamente começa a se desfazer de seus principais títulos. A crise do mercado publicitário acelerou sua agonia.
Em 31 de dezembro de 2014, a Abril Comunicações apurou prejuízo de R$139 milhões no exercício. O patrimônio líquido negativo saltou de R$125 milhões em 2013 para R$265 milhões, mostrando o fracasso da estratégia implementada a partir de 2013 para salvar a empresa.
Toda a estratégia resumia-se ao enxugamento da empresa, com a venda de títulos, fechamento de revistas e dispensa de funcionários. Conseguiu reduzir um pouco o endividamento – de R$995 milhões para R$772 milhões com a venda da Abril Radiodifusão e da Elemidia. E renegociou prazos de debêntures com bancos. Conseguiu dois anos de carência, mas pagando CDI mais 2,6% ao ano.
Dos quatro grandes grupos de mídia tem-se o seguinte quadro:
1) Editora Abril, com escassa possibilidade de sobrevivência.
2) Estadão, tendo como único produto viável a Agência Estado.
3) Folha, sendo absorvida pela UOL, que se torna cada vez mais um grupo de datacenter, tendo de concorrer com os gigantes globais. E com o modelo de portal entrando em crise, com a audiência corroída pelas redes sociais, que se tornaram a porta de entrada principal dos usuários.
4) Globo, que permanecerá com seu enorme poder.

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