quarta-feira, 29 de julho de 2015

Novo premiê sueco: “Lula é, sem dúvida, uma de minhas maiores inspirações.”

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O funcionário de uma metalúrgica que se torna sindicalista, vira líder de uma das principais centrais trabalhistas, ingressa na política e chega ao poder máximo do Executivo. O episódio aconteceu no Brasil, certo? Errado. Na gelada Suécia, Stefan Löfven, um soldador de 57 anos, passou por todas essas etapas para se tornar no final de setembro o primeiro-ministro do país pelo Partido Social-Democrata – a esquerda local –, pondo fim a um período de preponderância de governos conservadores. Tanta história em comum faz com que Löfven seja normalmente apelidado de “Lula do Norte” na imprensa europeia. Alcunha, aliás, endossada por ele próprio: após várias visitas a São Bernardo do Campo (SP), berço do movimento sindical brasileiro, ele se transformou em admirador do ex-presidente brasileiro.
Os laços entre o Brasil e o país nórdico se estreitaram ainda mais em outubro, com a assinatura de um contrato da Força Aérea Brasileira (FAB) para a compra de 36 jatos de combate Gripen NG, fabricados pela sueca Saab. Com previsão de entrega a partir de 2019, pela bagatela de US$5,4 bilhões – sem contar a possibilidade de novos lotes serem encomendados –, é um dos maiores contratos fechado na área de defesa este ano em todo o mundo. Löfven recebeu um grupo de jornalistas brasileiros de passagem pela capital Estocolmo para conhecer a fábrica da Saab na cidade de Linköping, de onde sairão os novos caças da FAB. Em seu escritório, para onde vai a pé todo dia – sua casa fica a poucas quadras de distância do prédio de onde despacha – o político falou sobre a proximidade com Lula, as negociações envolvendo o Gripen, as relações econômicas entre o Brasil e a Suécia e o reconhecimento histórico feito pelo governo local de que a Palestina é um país.
O senhor ligou para a presidente Dilma logo após a confirmação de que ela havia sido reeleita. Como foi a conversa?Em primeiro lugar a cumprimentei pela vitória, claro. Como eu também fui eleito recentemente, acabei recebendo também os parabéns dela [risos]. Eu nunca conheci Dilma Rousseff, mas me encontrei com o ex-presidente Lula várias vezes. Eu sugeri a ela que tivéssemos um encontro diplomático assim que fosse possível, como uma forma de trabalharmos para manter a boa relação que temos hoje.
Como o senhor viu o acordo entre o Brasil e a Saab para a compra dos caças?Acho que foi um bom negócio para ambos os países. O Brasil tomou sua decisão soberana de nos procurar e dizer que precisava desse avião, que é muito bom, por sinal. Mas o acordo vai muito além das aeronaves. Ele inicia uma cooperação maior entre nossos países em ciência, em tecnologia, em educação e em comércio. Nós estamos nos aproximando desde 2009, quando o presidente Lula esteve aqui na Suécia e assinou uma série de acordos de cooperação conosco, inclusive na área de biocombustíveis. Então nós já temos muito em comum, e a parceria dos caças vai nos aproximar ainda mais.
De que forma o senhor vê um país como o Brasil, com muitos problemas sociais, investindo na compra de armamentos?Em primeiro lugar cabe dizer que o Brasil é um país democrático e que cabe a ele tomar suas próprias decisões sobre em que área ele deve investir. No entanto, de forma geral posso dizer que o ideal seria que não tivéssemos que ter nenhum tipo de forças armadas. Infelizmente a realidade não funciona assim. Nós mesmos estamos aumentando nossos gastos militares nos últimos anos por causa dos desdobramentos políticos que ocorrem Rússia, que é um país próximo ao nosso. Cabe ao Brasil decidir se ele também precisa fazer isso. No nosso acordo específico, vale a pena lembrar que há muito mais envolvido do que apenas a compra dos caças. Temos tecnologia, inovação e comércio que vão gerar novos empregos e novos produtos que irão parar no mercado civil em diferentes áreas. Mas a União Europeia está contestando na Organização Mundial do Comércio alguns tipos de subsídios que o Brasil usa em suas transações. Isso pode interferir no negócio? Não muda nada em nosso acordo. O espírito é diferente nessas duas situações e o que temos aqui é um acordo direto entre os países. As relações entre Brasil e Suécia não serão afetadas em nada por isso.
O acordo implica uma aproximação política entre Brasil e Suécia. Seu governo irá apoiar a reivindicação brasileira por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU?Nós ainda não decidimos formalmente o que fazer sobre esse ponto específico, mas acreditamos que é hora de uma mudança para novas regras mais transparentes na ONU e no Conselho de Segurança. Nós consideramos muito válida a reivindicação de países importantes como o Brasil e somos a favor de ampliar o diálogo sobre essa possibilidade. Vamos ver como isso se desenvolve daqui para a frente.
No Brasil o senhor é conhecido como o Lula do Norte. Como vê essa analogia?Sou um grande admirador do presidente Lula e posso dizer que fico lisonjeado com essa comparação. Nós temos trajetórias parecidas: ambos viemos do movimento sindical e depois entramos para a política. Isso fica claro quando nós nos encontramos. Nós conseguimos nos entender perfeitamente, mesmo sem que eu fale português e com o Lula tendo deixado claro que não queria aprender sueco [risos]. Mas a forma e o estilo de se comunicar é bem parecido, percebemos mesmos através dos intérpretes. Eu lembro que uma vez disse ao Lula quando ele era presidente: “Deve ser um trabalho difícil liderar um dos maiores países do mundo”. Ele me respondeu que “é sim, mas vou fazer isso direito porque ninguém vai poder dizer que um trabalhador não pode fazer isso”. Isso me marcou. Hoje digo para mim mesmo nos dias difíceis que “eu também posso fazer isso”. Lula é sem dúvida uma das minhas maiores inspirações.
Como o senhor analisa o momento atual da economia brasileira? Ele gera algum impacto na economia sueca?De comum acho que ambos os nossos países não conseguiram crescer tanto quanto gostaríamos. O Brasil é um país imenso e com um peso muito grande para a América Latina, mas aqui na Suécia somos mais sensíveis aos resultados da economia dos países europeus, especialmente a Alemanha. Como quase metade do nosso PIB vem de exportações, o que acontece na Europa nos influencia muito. A lentidão da economia europeia é uma das nossas principais preocupações no momento. Mas hoje em dia a economia está tão interconectada que o que acontece na América Latina e na Ásia acaba nos influenciando.
A Suécia recentemente se tornou pioneira ao reconhecer a Palestina como um país. Não é uma decisão arriscada? Quais foram as razões disso?O risco é que tenha sido até tarde demais. O que nós vimos na região no último ano não deixou margem para muita esperança. Nós seguimos a crise hora a hora e vimos que não haveria saída se continuássemos no mesmo caminho. Não havia chance de paz porque não havia conversas, não havia negociações, além de decisões unilaterais sobre ainda mais assentamentos israelenses na região. O que precisa ficar claro é que não estamos apoiando nenhum dos lados. Nós estamos do lado da paz. Nós temos uma atitude amistosa mas firme tanto em relação à Israel quanto à Palestina. O que nós queremos é ganhar momentum para sair desse impasse. Nós tínhamos duas instituições em patamares completamente diferentes e com o reconhecimento temos agora dois Estados. Ainda é pouco, mas é um passo no sentido de nivelar os dois países.
Como foi a reação dentro da Suécia?Dentro do Parlamento foi o esperado: a base governista foi favorável e a oposição foi contra. [Suspiro] Esse conflito é tão antigo e tão profundo que se tornou vital olhar apenas para a frente. Se ficarmos olhando para o passado não iremos a lugar nenhum. Temos que pensar o que podemos fazer para ajudar aquelas crianças que vimos andando no meio das ruínas. Esperamos que a partir de agora vários outros países se mobilizem para também reconhecer a Palestina.

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