Paulistas fazem feriado infame para uma guerra sem mocinhos.
São Paulo tem feriado no dia 9 de julho. Só eles. Têm avenida 9 de julho. Têm festa de 9 de julho. Por quê?
A data comemora uma guerra civil restrita a esse estado contra as tropas de todas as demais unidades da Federação. Em seu pior momento, até o separatismo foi empunhado como bandeira desse feriado que precisa ser descomemorado.
Para derrotar São Paulo, todos os demais estados fizeram uma guerra contra “os senhores da politicalha que arruinaram a moral republicana em 40 anos de escândalos e crimes”, dizia Magalhães Barata (1888-1959), governador do Pará (à época, chamados de “interventores”, pois eram indicados por Vargas, e não eleitos).
A revolta de 1932 é uma guerra sem mocinhos. Nem os paulistas, nem Vargas, nem Magalhães Barata.
Os paulistas são orgulhosos até mesmo de sua derrota. Dizem que ela permitiu que o país voltasse a se constitucionalizar. É verdade. Mas é também verdade que a constitucionalização de 1934 não impediu o Estado de exceção que se instalou no País, logo após 1935 (quando os comunistas foram presos por conspirar contra Vargas), antes mesmo do chamado Estado Novo (1937).
Detalhe: Estado de exceção não só sob os auspícios da Constituição de 1934, mas também com o apoio da mesma pauliceia que em 1932 entrincheirou-se contra Vargas.
Abaixo, o trecho do estudo de Paulo Brandi sobre Getulio Vargas, feito para o Centro de Documentação da Fundação Getulio Vargas (CpDoc).
Este e outros estudos sobre a Era Vargas estão disponíveis aqui.
A Revolução de 1932Em 9 de julho, São Paulo levantou-se em armas contra o Governo Provisório, iniciando a chamada Revolução Constitucionalista. Sob o comando do general Isidoro Dias Lopes e do coronel Euclides Figueiredo, tropas da Força Pública e do Exército ocuparam rapidamente os pontos estratégicos da capital, com a ajuda de elementos civis. Pedro de Toledo aderiu à rebelião e foi proclamado governador do estado, assumindo a chefia civil do movimento junto com líderes do PD e do PRP. Quase todas as guarnições federais estacionadas em São Paulo aderiram à revolta. No dia 12, quando o general Bertoldo Klinger chegou a São Paulo para assumir o comando do exército constitucionalista, os rebeldes já controlavam todo o estado e posições fronteiriças em Minas, Paraná e no Estado do Rio.
Vargas recebeu as primeiras notícias do levante na noite de 9 de julho. Telegrafou imediatamente aos interventores federais nos estados e designou o general Góis Monteiro para o comando geral das operações contra os paulistas. O apoio de Minas e do Rio Grande do Sul, que parecia incerto, foi de decisiva importância para Vargas. Flores da Cunha causou algum alarme quando comunicou a Vargas sua renúncia à interventoria, momentos após o início da rebelião. Entretanto, no dia 10, após um dramático apelo de Vargas, o líder gaúcho lançou um manifesto em defesa do Governo Provisório e ordenou o imediato deslocamento da Brigada Militar para o front. Olegário Maciel também se colocou ao lado de Vargas, apesar da indecisão inicial em mobilizar as tropas estaduais contra os paulistas. Os demais interventores reafirmaram seu apoio ao governo federal. São Paulo, sem fronteiras com outros países e tendo o porto de Santos bloqueado pela Marinha, viu-se obrigado a lutar contra 18 estados da Federação.
Em 12 de julho, Vargas lançou um manifesto à nação denunciando o caráter “reacionário” do movimento paulista e tornando clara sua disposição em conduzir a luta até a rendição dos rebeldes. Apesar de seu completo isolamento, o governo revolucionário paulista mobilizou-se para uma guerra civil em larga escala com o apoio entusiástico da classe média. Fábricas foram transformadas para produzir material bélico, voluntários acorreram em massa aos postos de alistamento, donas-de-casa contribuíram com suas joias na campanha “Ouro para o bem de São Paulo”. O Governo Provisório também abriu o voluntariado e organizou a contraofensiva no vale do Paraíba, sob o comando do general Góis Monteiro, e ao sul de São Paulo, onde as tropas legalistas foram comandadas pelo general Valdomiro Lima, tio materno de Darci Vargas.
Após algumas semanas de luta desgastante, as forças federais infligiram as primeiras derrotas aos paulistas. Ainda em julho, Vargas estabeleceu duas condições básicas para o término do conflito: a rendição dos paulistas e a formação de um novo governo em São Paulo, sem a participação dos líderes revolucionários. Os paulistas exigiram, por sua vez, o reconhecimento da situação criada em São Paulo e a formação de uma junta governativa no plano federal. Uma missão conciliadora tentada pelo ex-ministro Maurício Cardoso não deu resultado. A guerra civil iria prolongar-se por quase três meses, deixando um saldo de 15 mil vítimas, entre mortos e feridos.
No decorrer de agosto, as ações de guerra já se revelaram inteiramente desfavoráveis aos paulistas. Apesar do cerco a São Paulo, o general Góis Monteiro aconselhou Vargas a preparar-se para uma “guerra perseverante e demorada”, por causa da falta de equipamentos e munições do Exército brasileiro. Ainda em agosto, num derradeiro esforço para romper o isolamento de São Paulo, Borges de Medeiros conclamou o povo gaúcho a pegar em armas contra o governo estadual. Artur Bernardes também tentou organizar um foco de resistência armada em Minas. Ambos fracassaram e foram presos, tendo sido o pequeno levante gaúcho rapidamente debelado.
Em 20 de setembro, Vargas lançou um manifesto ao povo paulista, conclamando-o a retornar ao “convívio fraternal dos demais estados”. Responsabilizou pela tragédia a classe dirigente paulista, acusando-a de arrastar a população para um movimento de revanche contra o de 1930 e denunciando também seus propósitos de separatismo.
Em 29 de setembro, no momento em que as forças federais apertaram o cerco em torno de Campinas, o general Klinger pediu a suspensão das hostilidades, iniciando conversações de paz com o general Góis Monteiro. Em 1º de outubro, quando Klinger ainda negociava os termos da rendição, a Força Pública paulista acertou um acordo de paz em separado. A Força ficou incumbida de depor o governo revolucionário paulista, o que ocorreu no dia seguinte.
Em 2 de outubro, foi firmado o armistício que selava a derrota dos paulistas. Com o fim das hostilidades, o general Valdomiro Lima assumiu em 6 de outubro o cargo de governador militar de São Paulo. A repressão aos vencidos foi sumária. Após um curto período de detenção, os principais líderes constitucionalistas de São Paulo e Minas seguiram para o exílio em Portugal. No caso de Borges de Medeiros, o governo abriu uma exceção, confinando-o em Recife. Em 8 de dezembro, Vargas suspendeu por três anos os direitos políticos dos líderes constitucionalistas, estendendo a medida aos dirigentes do governo deposto em 1930. Uma parte dos exilados começou logo a preparar um novo movimento contra o governo, tendo Lisboa e Buenos Aires como centros de conspiração. Os coronéis Euclides Figueiredo e Basílio Taborda foram encarregados de coordenar as atividades revolucionárias no Rio Grande do Sul e outros pontos do país. Entretanto, os líderes políticos de São Paulo abandonaram qualquer atuação que desse margem à volta de repressões no estado.
Logo após a pacificação da guerra civil, Vargas retomou com novo empenho o processo de constitucionalização, confirmando a data de 3 de maio de 1933 para as eleições à Assembleia Constituinte. Em novembro de 1932, nomeou para o Ministério da Justiça (chefiado interinamente havia sete meses) o gaúcho Francisco Antunes Maciel Júnior, convocou a comissão nomeada para elaborar o anteprojeto da futura Constituição e desencadeou em âmbito nacional a reorganização partidária com vistas às eleições para a Constituinte. Outras modificações no ministério provocadas pela Revolução de 1932 foram o afastamento de Francisco Campos da pasta da Educação e Saúde Pública, entregue em setembro a Washington Pires, também mineiro, e a nomeação de Juarez Távora para o Ministério da Agricultura, em dezembro de 1932.
A pacificação de São Paulo foi um dos objetivos prioritários do governo vitorioso. Vargas concordou em resgatar, através do Banco do Brasil, os bônus de guerra emitidos pelos bancos paulistas para financiar a guerra. Valdomiro Lima recebeu instruções para realizar uma aproximação efetiva com os diversos setores da população paulista. Em fins de janeiro de 1933, Vargas acabaria por nomeá-lo interventor federal no estado. Em meados de 1933, São Paulo voltaria finalmente ao controle dos paulistas, “encerrando-se de vez a prática federal de enviar para o governo desse estado representantes da corrente revolucionária tenentista, contra a qual a oligarquia se unira e lutara até as últimas consequências”.
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