Nas regiões afastadas dos grandes centros ou nos municípios do interior do país, a situação da saúde é diferente com a chegada do Mais Médicos há dois anos.
Via Saúde Popular em 8/7/2015
O posto médico está cheio e muitas pessoas aguardam atendimento. No bairro de Cidade Tiradentes, a 40 quilômetros do centro da capital paulista, o cenário pode ser praticamente o mesmo em qualquer Unidade Básica de Saúde (UBS) da periferia de grandes cidades ou dos municípios do interior do país, mas a situação agora é diferente das encontradas em anos anteriores. Desta vez, tem médico.
Com o lançamento do Programa Mais Médicos, em 2013, o número de profissionais na região aumentou e essa medida já apresenta resultados importantes. A mortalidade infantil no bairro em 2014 foi a menor dos últimos 10 anos, com índice de 14,4 para cada mil nascidos vivos, de acordo com dados da Supervisão Técnica de Saúde de Cidade Tiradentes.
O bairro, que abriga o maior complexo de conjuntos habitacionais da América Latina, tem 220 mil habitantes, dos quais cerca de 80% dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS). Até pouco tempo, Cidade Tiradentes tinha dificuldades para atrair ou manter médicos nos postos de saúde. Algumas unidades ficavam até quatro meses sem receber um profissional, o que prejudicava o atendimento à população e colocava o bairro entre os piores distritos nos rankings de pesquisa sobre saúde no município.
Diante desta situação, Cidade Tiradentes entrou para a lista de prioridades do Mais Médicos, do Ministério da Saúde, que enviou profissionais à região já no lançamento do projeto, em 2013. Hoje, atuam no bairro 15 médicos cubanos, que vieram trabalhar no Brasil após acordo do governo federal com a Organização Pan-Americana da Saúde, da Organização Mundial de Saúde (Opas/OMS), que trouxe ao país mais de 11 mil profissionais da ilha caribenha.
A agente comunitária Simone Pestana acompanhou de perto as transformações no território. Ela é moradora do bairro desde 1984, no início da construção dos primeiros conjuntos habitacionais. Simone lembra que, na década de 1980, não havia infraestrutura para atender os novos moradores, que tinham que percorrer longos trajetos para chegar a algum hospital. Ela aponta que a construção das UBSs não supriu por completo as necessidades dos moradores, pois não havia médicos para atendê-los.
Mas, hoje, ela vê mudanças significativas nessa condição. Grávida de oito meses, apesar de ter plano de saúde particular, Simone optou por fazer todo o pré-natal no SUS depois que seu primeiro filho foi atendido por um médico cubano. “Eu tenho segurança neste médico. Ele tratou meu filho que tem umas questões alérgicas e hoje está 99% bem. Eu gostei da segurança que ele me transmitiu no atendimento e por isso optei por fazer meu pré-natal aqui. No convênio, eu só vou mesmo pra fazer meus exames por uma questão pontual. Minhas consultas são todas na UBS”, disse.
Médicos cubanos no BrasilSimone é paciente do médico Reynaldo Villaron Nuevo, que trabalha na UBS Carlos Gentile de Melo. Nascido e formado em Havana, capital de Cuba, ele já trabalhou em outros países, como Bolívia e Venezuela e lembra com precisão a data de desembarque no Brasil: “Seis de outubro de 2013”. Ele destaca que o princípio da sua atuação como médico é ajudar quem precisa no lugar que for necessário.
A lógica de uma medicina humanizada, voltada à atenção primária de saúde e prevenção de doenças, tem sido disseminada por ele e pelos colegas cubanos. Segundo o médico, o retorno dos brasileiros tem sido positivo. “O posto funciona como uma grande família e me sinto muito bem acolhido”, declarou.
O médico brasileiro Rodrigo Cesar Pournour Veríssimo trabalha no mesmo posto que Reynaldo desde 2012. Na contramão da maioria dos profissionais de São Paulo – que preferem trabalhar no centro –, a opção pelo trabalho na periferia foi considerada um desafio por ele e um modo de ter contato direto com a realidade. “Trabalhar na periferia faz o médico enxergar o outro lado da medicina”, avaliou.
Veríssimo observa mudanças importantes no cotidiano do atendimento. “O médico cubano tem uma formação acadêmica diferente do médico brasileiro. Por exemplo, falar, orientar o paciente para evitar o desenvolvimento de uma doença. Há também diferenças na indicação de um ou outro medicamento para tratamento e acompanhamento ao paciente. Aprendemos bastante no convívio com os médicos cubanos. É uma visão mais precisa do que imediatista”, avaliou.
Tais transformações também têm sido percebidas nas periferias de outros municípios brasileiros, como as de Jaboatão dos Guararapes, na região metropolitana de Recife, capital pernambucana. A cidade, com aproximadamente 650 mil habitantes, possui um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) considerado alto (0,717), mas, assim como São Paulo, sofre com a desigualdade no atendimento entre as periferias e as regiões mais centrais.
O relato da dona de casa Ivonete Fernandes Pimenta da Cruz, 53 anos, e moradora do bairro do Socorro, expõe bem esta situação. Sintomas de fraqueza e mal-estar a fazem procurar rotineiramente o atendimento médico público há pelo menos quatro anos. Antes, as consultas eram feitas no Hospital das Clínicas, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). A distância e as dezenas de exames sem descobrir a doença a fizeram com que ela desistisse de ir ao hospital. “Tinha que acordar cedinho. Metrô muito cheio, ônibus muito cheio. Passava a manhã todinha lá e nada resolvido”, conta.
Ela aponta que o problema de baixo número de leucócitos e plaquetas no sangue, que atuam na defesa do organismo, somente foi descoberto por uma médica cubana, que atende no posto mais próximo da sua residência, a UBS Lote 19/31 Maria da Luz.
“Da última vez agora, eu estava muito doente, eu não podia nem ir ao posto. Depois que a doutora terminou os pacientes dela, ela veio aqui na minha casa. [Depois dos exames] ela ficou me acompanhando. Deu umas dicas, remédios para eu tomar vitamina C, complexo B. Graças a Deus estou bem. As plaquetas aumentaram e eu estou bem depois que me consultei com a doutora Nures”, comemorou.
Estratégia da famíliaA visita à casa de dona Ivonete e a de milhares de brasileiros dos 3.785 municípios atendidos pelo Mais Médicos está previsto no plano de trabalho das equipes de Estratégia de Saúde da Família (ESF). Entre 2010 e 2014, houve um crescimento de 19,8% dessas equipes, passando de 31.660 para 37.944 no período, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde, divulgada em junho pelo Ministério da Saúde.
Geralmente formadas por um médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e até seis agentes de saúde, muitas dessas equipes estavam desfalcadas pela ausência do médico. Em Cidade Tiradentes, por exemplo, há 32 equipes de Saúde da Família que, agora com os médicos cubanos, têm conseguido aperfeiçoar a estrutura e fazer um acompanhamento mais permanente no bairro.
“Tem os enfermeiros que são importantes, que fazem o acompanhamento, mas a saúde se faz em uma equipe intersetorial e o médico é fundamental”, enfatizou a supervisora do Mais Médicos no bairro, Marta Pozzani.
A supervisora explica que as equipes precisam se inserir e ter domínio sobre o território em que atuam. Ela explica que é necessário fazer um diagnóstico do perfil epidemiológico, saber como os moradores vivem, qual tipo de moradia habitam, qual a situação do saneamento básico, ou seja, tudo que abrange as condições de vida das pessoas atendidas.
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