quarta-feira, 29 de julho de 2015

O mito da estabilidade no governo FHC

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Os números desagradáveis aqui expostos contam uma história bem diferente da inventada “estabilidade monetária e financeira”.
Efeméride convocada no Senado na semana passada comemorou o aniversário do Plano Real. Um importante plano que debelou a hiperinflação, mas que abriu também caminho para implantação plena às chamadas políticas neoliberais de abertura e desregulamentação. Entretanto, o Plano não trouxe estabilidade monetária e financeira para o país, como muitas vezes se divulga. O Plano trouxe, juntamente com as políticas neoliberais, elevados custos relativos à estagnação econômica, bem como os relativos ao endividamento público.
Na homenagem do Senado os oradores tentaram sucessivamente vincular o sucesso do Real ao próprio governo FHC e suas políticas neoliberais. Nessa tentativa, os oito anos de FHC, no pós-Real foi “reinventado” como um período de estabilidade monetária e financeira para o país.
Vejamos como o exame das variáveis de taxa de inflação, taxa cambial e taxa de juros mostram como os governos FHC não trouxeram nenhuma estabilidade à economia, nem mesmo a monetária.
Restabelecendo a história: a continuidade da instabilidade monetária pós-RealComecemos pela suposta estabilidade monetária. O que se alega é que o Plano Real, além de eliminar a hiperinflação, criou uma moeda de valor estável, o que já se revelou nos oito anos dos governos FHC.
Primeiro vejamos como o Plano Real funcionou. A ideia do Plano na verdade nada teve de original: depois de alinhar os preços com a URV (unidade referencial de valor, essa sim uma boa ideia), apenas atrelou a nova moeda, o real, ao dólar, praticamente ao par (um por um). Com isso houve uma súbita valorização da nova moeda, tornando os bens importados ainda mais baratos.
O custo da manobra, no entanto, foi a imediata supervalorização da moeda, acompanhada por uma elevação das taxa de juros a níveis estratosféricos (na virada de 1994/95 chegou a 60% ao ano) para atrair dólares.
No entanto, a taxa de inflação pós-real se manteve longe da estabilidade. Em 1995, a taxa foi de 22%, e continuou variando 9% ao ano, em média, até 2002. No primeiro governo, a inflação já tinha acumulado 43%. Somando os dois governos, o acumulado chegou a 100%. E pior, ao acabar o período, em 2002, a taxa tinha voltado a uma inflação de dois dígitos, marcando 12,5% e subindo. Só para comparar, o acumulado de oito anos de Lula foi de 56% e os quatro de Dilma chegaram a 27%.
Essas elevadas taxas de inflação prejudicaram a estabilidade cambial, desafiando até a incrível taxa de juros real adotada, que terminou gerando apenas riqueza financeira para os mais riscos e reduzindo o investimento produtivo.
Restabelecendo a história: instabilidade e colapso cambialAnalisemos agora o comportamento da taxa de câmbio. Ela afeta ao mesmo tempo a moeda, o crédito e o nível de atividade econômica. E, nas economias periféricas, é uma variável que é capaz de levar um país à bancarrota.
Com o real atrelado ao dólar, a taxa cambial iniciou 1995 em R$0,84 o dólar, uma taxa muito valorizada, como já vimos, para deter a hiperinflação.
Mas junto com os preços das importações, também caiu a produção interna e abriu-se um déficit crescente nas contas externas. Essas contradições do Plano Real impediram a manutenção estável do câmbio, que foi sendo desvalorizado continuamente até já ter perdido 43% de seu valor até 1998. Como a taxa inflacionária manteve-se maior que a desvalorização do câmbio, o governo acabou por não conseguir controlar nem o câmbio, nem o déficit externo e nem o fluxo especulativo de dólares atraído pelos juros estratosféricos. E sobreveio a debacle.
Em janeiro de 1999, o Brasil quebrou pela primeira vez na mão de FHC. As reservas em dólares se evaporaram e o real se desvalorizou, com sua taxa chegando até R$4,00 por dólar.
Sumiram os dólares, ficamos sem crédito externo para manter as importações, mas as dívidas cresceram. O país só saiu da bancarrota graças a empréstimos do governo norte-americano e outros apoiados pelo FMI. A maxidesvalorização em 1999 acabou por atingir 40%. O governo brasileiro e sua moeda não tinham mais confiança externa. Muito longe já estávamos de qualquer estabilidade monetária e financeira.
Porém, um novo desastre já estava a caminho. A economia estagnada, uma moeda nacional com valor instável, sempre com tendência de queda, e baixo nível de reservas tornaram o Brasil outra vez alvo fácil da especulação cambial. A partir de maio de 2002, sobreveio novo ataque especulativo contra o real. E o Brasil quebrou pela segunda vez na mão de FHC.
De novo, nossa moeda se desvalorizou fortemente, chegando a mais de R$3,00 o dólar. Ficamos mais uma vez sem dólares e sem crédito externo. Outra vez o governo FHC e o Banco Central perderam o controle monetário e cambial. A salvação veio com o FMI: outro financiamento de emergência foi arranjado, muito maior que o de 1999. Mas dessa vez ele veio o junto a exigência de monitoramento trimestral, tendo em vista o descrédito da economia e do governo.
A incrível taxa de juros estratosféricaPor fim temos a variável da taxa de juros. Foi exatamente nos primeiros anos do Plano Real que nossa economia se consolidou como a campeã mundial de taxas de juros reais elevadas e perenes. Passamos a ser a economia bizarramente mais juros-dependente do mundo. Uma rara anomalia que bem longe está de qualquer definição de estabilidade financeira. A parte mais pesada da herança deixada ao Brasil pelas políticas neoliberais de FHC.
A taxa Selic, que iniciou 1995 a 60% ao ano, só caiu abaixo de 40% em 1998. E abaixo de 30% ao ano em meados de 1999. Em apenas dois anos os credores da dívida pública federal dobraram seu investimento, e em quatro anos o quintuplicaram. O total da dívida pública líquida se multiplicou durante oito anos, saindo de apenas 37% do PIB, em 1994, para mais 60% em 2002. Nunca um país viu sua dívida pública subir dessa forma em tempos de paz.
A conjunção de elevadas taxas reais de juros, instabilidade econômica e vasta fraude bancária detonou, em 1997, a maior crise bancária do século 20. Neste ano, três dos dez maiores bancos do país quebraram (Banco Nacional, Mercantil de Minas e Bamerindus). O que desencadeou também o maior resgate público de investimentos privados depositados já visto no Brasil.
Uma realidade bem infelizO país entregue ao governo Lula, em 2003, foi um país em situação de instabilidade cambial crônica, inflação em alta, sem crédito externo e sem reservas próprias de divisas.
Os números desagradáveis aqui expostos contam uma história bem diferente da inventada “estabilidade monetária e financeira” trazida pelo Plano Real e vivida durante os governos FHC. Esses números são facilmente acessíveis em sites como Ipeadata, Banco Central e IBGE. Não são nem nunca foram secretos. Qualquer um pode obtê-los.
Transformar essa verdade de oito anos de instabilidade monetária, colapsos cambiais e bancarrotas nacionais em uma rósea paisagem de estabilidade parece ir bem mais longe do que uma reinvenção da história, beira mais a simples fraude.

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