quarta-feira, 29 de julho de 2015

No acordo entre PCC e Alckmin, o Estado de São Paulo se rendeu ao mundo do crime

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O Estadão de hoje [27/7] publica uma bela reportagem de Alexandre Hisayasu sobre o acordo celebrado em 2006, entre o estado de São Paulo e o PCC. Não foi acordo: foi rendição.
A reportagem faz um balanço das vítimas do PCC: 23 PMs, 7 policiais civis, 3 guardas, 8 agentes penitenciários, 4 civis e 107 supostos criminosos. Faltaram mais de 600 inocentes nessa conta.
Descreve os encontros entre os dois secretários do governo paulista – Saulo de Castro Abreu, da Segurança, Nagashi Furukawa, da Administração Penitenciária – com Marcola e como, depois do encontro, cessaram os ataques.
Antes disso, Marcola tinha dois pedidos: autorizar visitas no Dia das Mães e permitir que os detentos pudessem falar com seus advogados. Saulo preferiu partir para o enfrentamento. Terminou rendendo-se aos fatos e aceitando o acordo.
A reportagem para por aí, para não entrar no terreno minado do maior massacre da história de São Paulo, que ocorreria nos dias seguintes por determinação expressa do Secretário Saulo de Castro Abreu.
O então governador Cláudio Lembo certamente irá se lembrar de um encontro que tivemos no Palácio dos Bandeirantes. Ele havia demitido Nagashi e reforçado o poder de Saulo. Fui até o Palácio e alertei que Saulo estava fora de si. O alucinado Saulo invadira a Assembleia Legislativa acompanhado de dezenas de PMs; ameaçara de prisão o dono de um restaurante, meramente por não conseguir estacionar seu carro.
Contei-lhe das conversas que tivera com Nagashi e o Secretário de Justiça Alexandre Morais. Ambos relataram que se reuniam com Alckmin para traçar a política de segurança. E as reuniões foram interrompidas pela radicalização de Saulo, transformando as discussões em questões pessoais. Em vez de enquadrar Saulo, Alckmin optou por interromper as reuniões e, com isso, esfacelou o sistema de segurança do estado. Os criminosos eram presos, ficavam sob a guarda da Secretaria de Administração Penitenciária, mas as investigações tinham que ser conduzidas pela Secretaria de Segurança. E Saulo considerava-se rompido com Nagashi e nada fazia.
Foi em vão. Lembo não estava a par. Disse-me que a informação que recebera era a de que Saulo era eficiente e Nagashi muito mole. Naqueles dias trágicos, Saulo tornou-se seu principal interlocutor.
Foi o período em que PM saiu às ruas das periferias de São Paulo e da Baixada Santista com os rádios desligados para não serem acessados por jornalistas, com a missão de matar qualquer vulto que se movesse. Foram mais de 600 assassinatos em poucos dias. A raiva não foi despejada em membros do PCC, mas – na maioria absoluta dos casos – em jovens inocentes de periferia, estudantes indo para as escolas. Assassinaram a sangue frio até uma jovem cujo parto estava marcado para o dia seguinte.
Foi um espetáculo dantesco, mil vezes pior que o massacre de Carajás. Homens encapuçados, em motos, alvejavam as pessoas. Em seguida, apareciam viaturas da polícia para destruir as provas. Os corpos eram encaminhados ao IML (Instituto Médico Legal) para as provas finais serem destruídas em laudos inconclusivos.
A matança só cessou quando bravos procuradores federais e médicos do Conselho Regional de Medicina correram para o IML para acompanhar os laudos. A experiência com os mortos da ditadura demonstrava que o laudo era a peça central para a abertura de inquéritos. Ao chegarem no IML, os médicos se depararam com dezenas de cadáveres com tiros na nuca, nas costas, em clara comprovação de execução. Assim que assumiram a vigília o número diário de corpos caiu de uma centena para menos de dez.
Aqui, o Blog criado pelas mães de maio para denunciar o massacre. Nada foi apurado pelo Ministério Público Estadual, pela Justiça de São Paulo, pela imprensa paulista. Uma brava procuradora federal levantou o caso enviou para Brasília, para federalizar a apuração. O procurador-geral Rodrigo Janot sentou em cima do caso, que não anda.
Restaram apenas os lamentos e as denúncias das mães de maio.
Alckmin em 2010 com o então candidato a deputado estadual Ney Santos, acusado de ligação com o PCC
O que o PCC ganhou no acordo com o governo paulista em 2006?
Na época, a facção realizou vários ataques, especialmente a postos da Polícia Militar, de maneira coordenada. Eles foram interrompidos após uma reunião no presídio de Presidente Bernardes, no interior do estado.
De acordo com o Estadão, a solução foi encaminhada pela advogada Iracema Vasciaveo, então presidente da ONG Nova Ordem, que defendia os direitos dos presos e representava o PCC.
Iracema esteve com Marcola, o líder. O substituto de Geraldo, Cláudio Lembo, deu aval para o encontro, bem como os secretários da Segurança Pública e da Administração Penitenciária – Saulo de Castro Abreu Filho e Nagashi Furukawa, respectivamente.
A história foi revelada pelo delegado José Luiz Ramos Cavalcanti, que depunha num processo contra advogadas supostamente ligadas ao crime organizado. “Eu apenas autorizei a viagem. O que aconteceu lá dentro, não tenho detalhes”, afirma Lembo.
O diabo está nos detalhes. Em tese, garantiu-se a rendição dos criminosos, desde que se assegurasse a integridade física deles. Os atentados cessaram, subitamente, e o poder do PCC só fez crescer. Geraldo sempre negou qualquer tipo de acordo, mas o fato é que a relação com o Primeiro Comando da Capital só se tornou mais confusa, para usar um eufemismo, com o passar do tempo.
O deputado Conte Lopes, ex-delegado, declarou, certa vez, que “essa facção criminosa é cria do PSDB”. O PCC nasceu em 1993 na Cadeia Pública de Taubaté e sua relação com o governo paulista é recheada de episódios assombrosamente estranhos.
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Em 2010, Alckmin prestigiou evento do candidato Ney Santos.
Em 2010, Alckmin pediu votos para um candidato a deputado estadual do PSC chamado Claudiney Alves dos Santos, conhecido como Ney Santos.
Pouco depois, Santos foi preso, acusado de adulteração de combustível, enriquecimento ilícito, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e formação de quadrilha. Era também investigado por envolvimento com o PCC. Em seu nome, possuía um patrimônio de R$50 milhões, incluindo uma Ferrari e um Porsche.
Ok. Alckmin muito provavelmente não sabia do passado, do presente e do futuro de Santos. Mas nem sua equipe?
Em 2012, um inquérito sobre o envolvimento de PMs com o PCC foi arquivado. Um ano depois, aconteceu outro episódio de ampla repercussão, em que o governador saiu-se como herói na luta contra os bandidos.
Ele teria sido ameaçado de morte, segundo um recado interceptado. “Os bandidos dizem que as coisas ficaram mais difíceis para eles, pois eu quero dizer que vai ficar muito mais difícil”, disse GA, triunfal, em Mirassol. “Nós não vamos nos intimidar. É nosso dever zelar pelo interesse público.”
Não contavam com a astúcia do ex-secretário Antônio Ferreira Pinto, que revelou que a escuta dos membros do PCC circulava desde 2011.
“Esse fato não tinha credibilidade nenhuma. A informação é importante desde que você analise e veja se ela tem ou não consistência. Essas gravações não tinham. Tanto que o promotor passou ao largo delas”, falou.
“Aí vem o governo e diz: ‘Não vou me intimidar’. Ele está aproveitando para colher dividendos políticos”. De novo: Geraldo, muito possivelmente, não tinha ideia de que as tais ameaças tinham dois anos de idade e nunca foram levadas a sério.
No início de 2014, outro evento inacreditável. Um relatório vazado do Ministério Público dava conta de um esquema para tirar Marcola e outros três chefões da penitenciária de Presidente Venceslau.
O plano estaria sendo arquitetado há oito meses. Os homens já tinham serrado as grades das janelas de suas celas, colocando-as de volta em seguida, devidamente pintadas. Eles sairiam dali para uma área do presídio sem cobertura de cabos de aço, de onde seriam içados por um helicóptero com adesivos da Polícia Militar.
O “vazamento” do documento criou situações surreais. Policiais ficaram de tocaia aguardando os meliantes. Jornalistas correram para lá. No Jornal Nacional, um repórter perguntava, sussurrando, a um franco atirador como funcionava a arma dele. Diante da falta de ação, era o jeito.
Claro que não aconteceu nada. Alckmin, no entanto, estava pronto para faturar. Na Jovem Pan, elogiou “o empenho da polícia de São Paulo, 24 horas, permanentemente, contra qualquer tipo de organização criminosa, tenha a sigla que tiver. São Paulo não retroage, não se intimida”. Para ele, “lamentavelmente, isso acabou vazando”.
Nomeado em janeiro, o secretário de segurança pública Alexandre Moraes é advogado em ao menos 123 processos de uma cooperativa denominada Transcooper, citada em investigações que apuram lavagem de dinheiro do PCC. Em nota, avisou que “renunciou a todos os processos que atuava como um dos sócios do escritório de advocacia”.
O PCC, hoje, controla áreas inteiras da cidade, as cadeias, tem ligação com escolas de samba e mantém bases no Paraguai e na Bolívia. Um fenômeno.
Naquele ano de 2006, Geraldo deu uma entrevista a uma rede de televisão australiana. A jornalista quis saber sobre os “grupos de extermínio” e sobre as ações da facção. Irritado, ele se levantou da cadeira e encerrou o papo.
“Esse é um problema do governo estadual. Você deveria ir falar com eles. Tchau, tchau. Bye, bye”, diz. “Se eu soubesse que era sobre isso, não tinha entrevista. Não faz o menor sentido”. A entrevistadora ainda tentou, inutilmente, um apelo: “Alguém precisa falar sobre isso”.
O que o PCC levou, de fato, no tal acordo permanece uma incógnita. Geraldo Alckmin, ao menos, vem levando excelentes dividendos políticos com um pacto cujo preço é pago por seus eleitores.

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