A Alemanha jogou sabendo que ganhava, porque sabia que a Grécia não iria por sobre a mesa a saída do euro.
Mais uma vez, a resposta foi fechar o cadeado contra as alternativas. A Alemanha quer a União Europeia assim e de nenhuma outra forma. Não tolera nem permite que ninguém a contrarie. Por exemplo, quando, em 2005, os franceses e os holandeses rejeitaram o Tratado Constitucional, a Alemanha tirou da manga um inesperado Tratado de Lisboa, que substituiu o anterior, mas sem a necessidade de ser submetido ao voto popular. O país tampouco é um exemplo no que diz respeito a cumprimento de regras. O estilo de Ângela Merkel é naquela linha de que as regras só servem quando não seja ela mesma obrigada a cumpri-las. Por exemplo, a Alemanha nunca cumpriu o limite estabelecido pela própria União Europeia com relação ao superávit por conta corrente (em Procedimentos de Desequilíbrio Macroeconômico). Esse limite deveria ser tratado da mesma forma que se trataram os déficits dos países do Sul em outras variáveis econômicas, porque tanto uns quanto outro são ameaças para a estabilidade da Zona Euro. Mas não. A Alemanha se dá o direito de passar por cima dessa e de outras normas, porque parece que adquiriu o poder de ser o único país que decide o que será punido e como. Outros exemplos são as 14 vezes que a mesma Alemanha deixou de cumprir os limites de déficit (3% do PIB) ou de dívida (60%), estabelecidos pelo Tratado de Maastricht, entre 2000 e 2010, também impunemente.
Nestes últimos anos, a Grécia vinha sendo uma enorme dor de cabeça, por isso, desta vez, a Alemanha se empenhou para que não houvesse nenhum passo para trás na postura que impôs desde o primeiro momento. A irreversibilidade da Zona Euro deve ser alcançada custe o que custar, segundo a doutrina Merkel. Em 2011, o então presidente grego, o socialista Georgios Papandreu propôs que os cidadãos gregos se pronunciassem em referendo sobre o segundo resgate aprovado por Bruxelas, que chegava a €130 bilhões. Mas a Alemanha pressionou e impediu que a consulta popular acontecesse. Essa coisa de dar voz ao povo não é bem vista pela democracia made in Zona Euro.
Ao vencer pela primeira vez a vontade popular dos gregos, a Alemanha avisou aos navegantes europeus que os referendos só estavam permitidos quando se referissem a direitos e liberdades civis, sem afetar o âmbito econômico. Merkel piloto o barco da economia junto com os gigantes do setor financeiro – aquilo que, depois, a imprensa chama de “decisões técnicas”, apesar serem o fiel reflexo da política em seu estado puro. Nesta Europa, alguns poucos mantêm o poder de desenhar a organização da casa, sem permitir que a periferia opine. E se opina, como fez o povo grego no último referendo, não vale nada.
Como em 2011, a Alemanha pressionou para evitar que Alexis Tsipras consultasse o povo; não conseguiu e não gostou de ter perdido. Teve a paciência de esperar o momento em que o cabo da frigideira europeia voltou às suas mãos. Os alemães sabem que dentro da Zona Euro a margem de negociação é bastante estreita. A construção desta União Europeia é um ferrolho em si mesma, tudo se conversa por fora, nada por dentro. E por dentro, no final, quem decide é a Alemanha.
E assim foi. A Grécia, com o povo grego a seu favor, pretendia por sobre a mesa o seguinte acordo: reestruturação da dívida em troca de aceitar algumas receitas da política econômica neoliberal. Na teoria deste jogo, sabe-se que só são válidas as opções que sejam verdadeiramente viáveis. Talvez por essa razão, o então ministro da Fazenda grego Yanis Varoufakis pediu demissão após a vitória do Syriza no referendo, antes de retomar as negociações. Ele sabia que dentro da Zona Euro não havia uma proposta firme por parte da Grécia, e que essa posição terminaria levando o país a ceder mais ao que fosse imposto pela Alemanha. Com relação à possível saída do euro, o mesmo ex-ministro reconheceu, em seu último artigo no The Guardian, que “devido a falta de uma real infraestrutura para gestar uma saída imediata, o “Grexit” seria como o anúncio de um enorme processo de desvalorização, com 18 meses de antecipação: uma receita para a liquidação de todo o estoque de capital grego e sua transferência ao exterior, por todos os meios disponíveis”. Ou seja, o custo de sair do euro agora é tão grande quanto o de ficar. A encruzilhada perfeita, novamente made in Zona Euro. O acordo da Alemanha, no típico estilo pegar ou largar, exige da Grécia um fundo de €50 bilhões a partir das privatizações, subir o imposto sobre o comércio para alimentos e outros bens, congelar aposentadorias e pensões, aumentar a idade de aposentadoria para os 67 anos, reforma das leis trabalhistas e seguir reduzindo a administração pública. Isso tudo em nome de um resgate de €86 bilhões (a favor dos credores da dívida grega), que nada tem a ver com a reestruturação pretendida pelo país helênico.
O estado-nação chamado Alemanha impõe seu modelo: um esquema supranacional europeu à sua mercê, que lhe permite competir em plena transição geoeconômica em direção a um mundo multipolar. A única aliança sem nacionalidade permitida dentro de casa é aquela que existe no âmbito das megaempresas transnacionais com matrizes na União Europeia. Esse pacto está bem selado por todas as grandes empresas privadas europeias, e nele não há lugar para o povo grego e seu afã por decidir seu próprio destino, tampouco para quem quiser defender seus direitos sociais. Portanto, com este panorama vigente na Europa, por enquanto não há nada mais a fazer. Apesar de sua legitimidade, os votos não têm poder legal suficiente para reverter os acordos financeiros.
A lição é contundente. A Alemanha jogou sabendo que ganhava, porque sabia que a Grécia não iria por sobre a mesa a saída do euro. Como sabia que a Grécia queria ficar dentro, pode manejar a situação para que as cartas fossem repartidas desigualmente. Tsipras ganhou em casa por goleada, graças aos votos e a vontade dos gregos, mas perdeu fora, onde o poder financeiro manda. Sendo assim, já é hora de discutir seriamente sobre aquilo que chamam de democracia, mas que não parece ser uma real expressão da vontade popular.
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