sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Os 12 de "O Globo" e os "pelegos" da UNE

Uma dúzia de alunos de escolas particulares da Zona Sul do Rio, "apartidários" e "apolíticos", lançam um "novíssimo movimento estudantil" pela reforma do ensino. Os leitores, eu e a torcida do Flamengo temos visto muitas fraudes no passado recente. Sabemos que às vezes elas nascem assim. Por que uma dúzia de moças e rapazes bonitos e bem vestidos, do Leblon, Ipanema, Gávea e adjacências, tornam-se notícia dessa forma em “O Globo” - quase sempre amplificada depois por outros veículos audiovisuais do mesmo império Globo de mídia?
Ao deparar na internet com a primeira página de “O Globo” de quarta-feira, 7, enfeitada pela foto a cores de uma dúzia de graciosos alunos de escolas particulares da Zona Sul do Rio, “apartidários” e “apolíticos”, a lançar “novíssimo movimento estudantil” pela reforma do ensino, não resisti à tentação de questionar outra vez esse jornalismo.
Pergunto, em primeiro lugar, se jornalisticamente aquela reuniãozinha de adolescentes bem nascidos merece tal espaço na mídia nacional. Que diabo, como filhos do privilégio representam muito menos do que, por exemplo, um grupo de adolescentes sofridos do Nordeste, tão afetados como eles pelo adiamento da prova do Enem - o pretexto invocado em “O Globo”.

A aristocracia da elite branca

A diferença entre alunos do Nordeste e os de escolas particulares da Zona do Sul do Rio começa nos sobrenomes. Se prevalecem lá os Silva, como a família do atual presidente, os reunidos em “O Globo” são De Lamare, Di Célio, Bevilacqua, Lontra, Bustamante, Bekken, Glatt e outros de igual linhagem - famílias talvez afinadas com a ideologia dos irmãos Marinho.
A foto posada (com grande angular) da primeira página, feita em condomínio da Gávea, permite a suposição de que o tal “novíssimo movimento estudantil” anunciado pela sigla Nove (de “Nova Organização Voluntária Estudantil”) pode ter nascido na própria redação de “O Globo” e tem entre suas causas até o repúdio à ação afirmativa. São todos brancos, se não de sangue azul.
Para o jornalista Ali Kamel, guardião zeloso da doutrina da fé empenhado em uniformizar o discurso ideológico nos veículos do império Globo, “não somos racistas” no Brasil. A partir dessa tese nossa elite rejeita em nome da igualdade racial quotas destinadas a favorecer o ingresso na universidade de não brancos - talvez para perpetuar os privilégios atuais até o final dos tempos.
Nas páginas internas da mesma edição impressa de “O Globo”, conforme tive o cuidado de conferir na versão digital que a reproduziu, a reportagem foi estrategicamente colocada ao lado da coluna de Merval Pereira - a que abraça com fidelidade canina as ordens da cúpula do império de mídia mais arrogante do país e ostensivamente dedicado desde 2005 à derrubada do presidente.

A tradição coerente do golpismo

Os 12 (ou Nove) de “O Globo” parecem representar exatamente a tradição desse jornal (e dos Marinho), que ao longo dos anos, em matéria de educação, foi sempre retrógrado e antidemocrático - em especial quando a UNE e as entidades estaduais filiadas a ela lutavam contra o golpismo militar e na subseqüente ditadura que torturou, matou, censurou a imprensa e perseguiu o movimento estudantil.
Não por acaso o império Globo floresceu à sombra da ditadura por aplaudir os generais. Orgulha-se hoje - ao lado do “El Mercúrio”, pinochetista do Chile, e do “Clarín” argentino - de estar entre as maiores corporações de mídia do continente, premiadas pelos algozes da democracia e pelos interesses externos porque sempre ficaram contra os dos respectivos países.
Em texto posterior, publicado na quinta-feira, 8, e motivado pela reação do presidente da União Nacional dos Estudantes, Augusto Chagas, o jornal condescendeu em expor a resposta deste aos 12 de “O Globo”. Mas além de ter tido o cuidado de minimizá-lo e situá-lo ao pé de outra página, ainda aduziu minieditorial no qual acusa a UNE de “peleguização”.

Contra os interesses nacionais

Fica claro que “pelegos”, na visão dos irmãos Marinho, são os líderes da UNE, criada corajosamente na década de 1940 para defender os interesses do país contra o avanço do Eixo nazifascista. De nada importa ao jornal a explicação de que os fóruns da entidade não são gatos pingados da elite; reúnem mais de 1.500 centros acadêmicos do país, nos quais atuam centenas ou milhares de estudantes.
Como Chagas, também o presidente da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES), Ismael Cardoso, tentou informar ao império Globo de mídia que as entidades realmente representativas dos estudantes há muito debatem a questão do Enem e até fizeram críticas à pressa para implantar a nova prova - pressa que pode ter contribuído para o vazamento.
A motivação dos 12 de “O Globo” é outra. Se não foram escolhidos por ninguém, representam quem - ou o que? Têm só de se submeter à ideologia golpista do jornal, na contramão da história e do aperfeiçoamento democrático. É o que basta para sairem na primeira página. Resta agora guiarem-se pelos editoriais. Por exemplo, aplaudindo a Colômbia submissa, sob ocupação militar dos EUA, e a Honduras do golpe, repudiada no mundo inteiro.

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