sábado, 23 de janeiro de 2010

Acreditando no Haiti

O antropólogo Omar Thomaz avalia que a comunidade internacional está repetindo, neste momento de emergência no Haiti, erros que já ocorriam desde o início da ação da Minustah (Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti) – o principal deles é desconsiderar as instituições e organizações haitianas. Thomaz é professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e integrava um grupo de pesquisadores brasileiros que acompanhou de perto os primeiros momentos após o terremoto que destruiu Porto Príncipe, capital do Haiti, e provocou milhares de mortes.
“A comunidade internacional é autocentrada. Os personagens no terreno têm dificuldade em se relacionar com os políticos locais. Após o terremoto, ficou evidente que a Minustah não tem canal com a comunidade haitiana”, disse ele.

Um dos exemplos mais radicais dessa separação é o fato de os médicos haitianos não estarem integrados nas ações da ajuda internacional. “Por que as entidades internacionais não entram em contato com os médicos haitianos?”, pergunta.

Para Omar Thomaz, há uma espécie de “presunção” da comunidade internacional de que não há profissionais capazes no Haiti de atuarem como parceiros. “Isso está errado. Há comércio no Haiti, e foram os comerciantes locais que forneceram primeiramente os alimentos para a população.

Aquilo que aparece na TV como caos é a comunidade haitiana tentando se organizar”, afirma.

Thomaz cita como exemplos de organização a Fokal, instituição mantida pela ex-primeira- ministra haitiana Michelle Pierre-Louis, que manteve a única biblioteca pública funcionando em Porto Príncipe após o terremoto, as cooperativas de camponeses nos arredores da capital, que mantiveram o fornecimento de hortaliças, e a Fokaze, uma organização de microcrédito, a Zanmi Lasante, organização que reúne médicos haitianos, e a Crose, uma coordenação regional de organizações do Sudeste do páis.

Para Thomaz, há “personagens intelectuais” haitianos agindo, e esses nomes têm de ser contatados e incorporados pela ajuda internacional. Para ele, também, a comunidade internacional não pode transformar o presidente René Préval num “banana”. “Isso não ajuda. Ele não é visto assim pelos haitianos”, diz. “Ele está ‘perdido’ porque perdeu quase todo o ministério no terremoto. Mas ele tem de fazer parte das decisões.”

O antropólogo reconhece que a margem de manobra das instituições haitianas é limitada. Mas afirma que a ajuda internacional só pode funcionar se elas forem incorporadas. “A ajuda chega ao aeroporto, mas não há quem a distribua. As organizações internacionais não conhecem o Haiti, mas os haitianos conhecem. É preciso deixar de ver os haitianos como vítimas passivas, eles são vítimas ativas. Não se pode fingir que não existem elites, que não existe universidade no Haiti. Isso é mentira.

Eleições

Thomaz acha que dificilmente ocorrerão as eleições legislativas que estavam previstas para o fim do mês de fevereiro.

Mas, segundo ele, a política haitiana vai ter de ser reorganizada. Boa parte dos senadores morreu na tragédia, bem como muitos ministros. Ou seja, Legislativo e Executivo foram duramente atingidos pelo terremoto.

“Para os haitianos, há uma percepção de que o cargo relevante mesmo é a Presidência da República”, afirma.

Na sua opinião, o ex-presidente Jean-Bertrand Aristide, não deve retornar ao país neste momento. Aristide chegou a declarar que gostaria de retornar ao Haiti para ajudar na reconstrução. “Aristide sabe que poderia provocar uma convulsão nesse momento. O país esta em carne viva. E ele sabe disso”, diz Thomaz.

Do UOL Notícias

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