quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Dorian Gray e o chanceler Lampreia

Nada como acender a luz de repente para flagrar as baratas fazendo a festa na cozinha! Em entrevista a Folha, o ex-chanceler do Brasil disse algumas barbaridades. Confiram:

FOLHA - O governo Lula diz que deve haver uma relação estratégica com Cuba, prega ser o "sócio número 1" da ilha. Qual a sua avaliação?

LAMPREIA - O governo brasileiro tem há muito tempo, desde o governo Fernando Henrique Cardoso [1995-2002], uma posição contrária ao embargo que os EUA impõem a Cuba e o considera injusto e responsável por muitos dos problemas cubanos. Mas ter relações estratégicas? De forma nenhuma. Cuba é um país desimportante.

Muito bonito, seu Lampreia! Compreendo perfeitamente que se diga isso num boteco, na intimidade da redação de jornal, ou sussurrado entre quadro paredes. Mas um diplomata fazer tal afirmação, em alta voz, numa entrevista para o jornal de maior circulação do país? Lampreia demonstra, mais do que falta de educação, mais do que ausência de bom senso diplomático, mais do que simples falta de cordialidade humana, o chanceler revela-se um grandessíssimo incompetente. Sim, porque a função dos diplomatas é justamente o contrário do praticado por Lampreia: é procurar aproximar os povos, através de relações de respeito e cordialidade. Ao afirmar que Cuba é um país desimportante (o que é uma tremenda estupidez), Lampreia prova mais uma vez como a arrogância enlouqueceu totalmente o ninho paulista tucano. Cuba é um importante mercado latino-americano. Em 2008, o Brasil exportou o equivalente a 526,84 milhões de dólares para lá; em 2009, com a crise, as exportações brasileiras caíram para 277 milhões de dólares. Mas não se avalia um país por valores de comércio exterior. Não estamos falando aqui de mercadorias, mas de países, de cultura, de gente. E a pequena Cuba, todos sabem, é um grande país, o campeão latino-americano nos índices de desenvolvimento humano. O país com os melhores índices nas áreas de educação, saúde. Um dos primeiros países no continente a praticamente erradicar a mortalidade infantil. O primeiro a erradicar o analfabetismo. Não, Lampreia, Cuba não é desimportante.

Na mesma entrevista, Lampreia comete outra diatribe.

FOLHA - O sr. repetiria esse raciocínio para a relação entre Brasil e Irã, ou nesse caso entram outros fatores na avaliação?
LAMPREIA - Não adianta nada também. Eles também fazem o que querem, isso está muito evidente. Desde a visita do [presidente Mahmoud] Ahmadinejad, já anunciaram que estão enriquecendo urânio a mais de 20%, dez reatores adicionais. Só faltou anunciarem que estão fazendo a bomba, que na verdade é o que estão fazendo.

Lampreia acusou com isso o presidente do Irã de mentiroso (vide que Ahamadinejad sempre negou que o país tenha interesse em fabricar a bomba). Que o aiatolá supremo do país, que disse esta semana que a bomba atômica é contra o Alcorão, é mentiroso, irresponsável e... infiel.

Ora, mais uma vez, temos uma afirmação que qualquer um pode fazer na intimidade. Mas um diplomata que foi ministro de relações exteriores do Brasil durante dois mandatos presidenciais (1995 a 2001), falar isso?

Lampreia é mais um desses tucanos cegos e loucos de tanto olhar para a lâmpada da Casa Branca.

Além dessa manifestação na Folha, ele publica artigo no Globo e no Estadão onde destila um rancorzinho vulgar, pedante, previsívil e neocon contra o Irã.

Por este artigo, podemos ver o perigo que é a volta dos tucanos ao poder. Com o Brasil dotado de um inédito poder de influência nas discussões internacionais, e, mais grave, ocupando temporariamente o Conselho de Segurança da ONU, a visão tacanha de um Lampreia poderia colocar em grave risco a paz mundial. Não se esqueçam que o próprio Serra, candidato a presidente da república, publicou há pouco um artigo violentíssimo contra o Irã, com argumentos que pareciam saídos diretamente da garganta de Dick Cheney, aquele ex-vice presidente do Bush, sócio de empresas de armamento e um dos principais falcões de guerra dos Estados Unidos.

Vamos analisar seu artigo, desde o início, com muita calma.

O Irã é hoje, sem dúvida, a maior ameaça à paz e à segurança do mundo. Seu programa nuclear avança velozmente, sendo composto por milhares de centrifugadoras enriquecendo urânio a um nível de concentração que já atingiu os 4% necessários para gerar eletricidade.

Seu presidente já afirmou que foi também atingido o nível de 20%.

Na primeira frase, encontramos três defeitos imperdoáveis num diplomata. Alarmismo, arrogância e falta de cientificidade. O uso da expressão "sem dúvida" é uma agressão ao leitor. Tenta forçá-lo a adotar o ponto-de-vista do articulista. É arrogância em estado puro. É vício de tucano acostumado a discutir política nos mesmos restaurantes de São Paulo, com as mesmas pessoas, repetindo os bordões de sempre. O maior perigo à paz e à segurança do mundo está, naturalmente, nos pontos de conflito já armado, como Iraque, Afeganistão e Palestina.

O Irã tem todo o direito de usar tecnologia nuclear. Lampreia não percebe que o petróleo do Irã irá acabar um dia e o país ver-se-á largado no meio do deserto sem nenhuma fonte de energia alternativa? Tem energia solar, mas esta não é suficiente para atender as necessidades de uma nação. A Europa possui centenas de usinas nucleares. Apenas a França opera com 59 reatores, que fornecem 78% da energia elétrica consumida no país.

A loucura de Lampreia não tem limites. Ele aventa - e parece aceitar, mesmo admitindo que as consequências serão gravíssimas - a possibilidade de um ataque militar ao Irã.

O cronômetro está avançando nos três tabuleiros acima referidos e, se o caminho do armamento nuclear for o mais rápido, é possível que a Europa, os Estados Unidos e Israel sejam forçados a um dilema terrível, uma verdadeira escolha de Sofia : aceitar um Irã nuclear ou atacá-lo para evitar que ocorra este desfecho. Qualquer das duas alternativas seria nefasta. Um ataque, além de militarmente difícil e incerto, semearia o caos total no Oriente Médio, onde já não faltam tensões e impasses.

A falta de escrúpulos de Lampreia chega a flertar com um antipatriotismo sombrio, delator, intriguista. O ex-chanceler lança no ar "suspeitas", sem nem ao menos dignar-se explicar do que se trata, deixando a imaginação do leitor flanar pelas possibilidades mais sinistras. Estaria a sugerir que o Brasil pensa em adquirir a bomba atômica em parceria com o Irã? Estaria o Brasil pensando em se associar ao Irã numa guerra contra Israel? São absurdos. Mas como Lampreia não fala o que é, cabe ao leitor usar a fantasia.

A nova intimidade com o Irã cria suspeitas - infundadas, por certo, mas difíceis de desmentir, dado o tom de algumas declarações oficiais de apoio a Teerã — que em nada atendem aos nossos interesses e só podem criar dificuldade de toda ordem para nós.

Lampreia é positivamente malicioso, e nem consegue disfarçar. "Infundadas, por certo, mas difíceis de desmentir". Isso é frase de quem deseja fazer intriga sem se comprometer, embora seja uma artimanha tão óbvia, tão naïf, que só resta ter pena do Brasil ter tido, por oito anos, um chanceler tão mesquinho.

Como o personagem de Oscar Wilde, o diplomata tucano acha-se muito bonito, a ponto de tentar interferir na política externa nacional através de manifestações na mídia, e a mídia, por sua vez, parece também achá-lo um homem atraente. A verdade, porém, é encontrada quando exploramos o porão da casa onde Lampreia reside e olhamos para seu retrato pintado numa tela. Vemos aí o retrato de um diplomata decrépito, invejoso, irresponsável, incompetente, uma criança velha e mimada por uma imprensa partidária.

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