Nas eleições deste ano será definida a fisionomia do Brasil em toda a primeira metade do século. Será um elemento fundamental para consolidar os avanços na América Latina. Conta-se com um governo de sucesso e amplo apoio na população, com a liderança do Lula, com um partido coeso e com uma grande candidata.
Dilma representa mais do que uma mulher competente, enérgica, comprometida, mais do que a coordenadora de um governo que mostra que se pode mudar o Brasil para melhor, retomar o desenvolvimento econômico estreitamente articulado com políticas sociais.
Dilma representa também o espírito militante, forjado nos anos 60, no calor dos momentos mais duros de luta contra a ditadura, que soube manter acesa a chama dos ideais de transformação profunda da realidade, passando pelo crivo das novas condições de luta. Nós nos conhecemos naquela década extraordinária para o mundo, na militância clandestina de resistência à ditadura, na mesma organização, na mesma luta.
Segui sua trajetória de longe, até reencontrá-la em um Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, secretária do governo do Tarso, com a mesma alegria, luminosidade no olhar, combatividade, companheirismo. Quando saiu, pela primeira vez, a notícia da possibilidade de que ela fosse a candidata, imediatamente busquei uma forma de manifestar meu entusiasmo sobre essa possibilidade. Voltar a trabalha com ela, no livro que lançamos agora no Congresso do PT – “Brasil, entre o passado e o futuro”, Editoras Boitempo e Perseu Abramo, Organizadores: Emir Sader e Marco Aurélio Garcia -, serviu para me dar conta que a Dilma é a mesma, desde aqueles anos 60 até hoje e projetada para o futuro, que inspira confiança, compromisso, sensibilidade política, capacidade e energia. É a melhor alternativa para se dar continuidade, aprofundando, no processo de construção de um Brasil para todos.
Um balanço do estado do país que se recebeu, das transformações que foram feitas e das que restam por fazer para a construção de um Brasil para todos, solidário, humanista, soberano e democrático, aponta essencialmente para três temas – entre tantos outros.
O neoliberalismo, ao desregulamentar a economia, promoveu uma gigantesca transferência de recursos do setor produtivo para o financeiro – sob sua forma especulativa. O endividamento dos países periféricos favoreceu a promoção desse capital a lugar privilegiado, capaz de produzir crises e desestabilização de governos, com seus ataques especulativos.
As independências – legais ou de fato – dos Bancos Centrais são expressões dessa hegemonia, assim como as altas taxas de juros, que remuneram esse capital, que por sua vez é parasitário, não produz bens, nem empregos, além de frear a capacidade de expansão da economia. As mudanças na política econômica do governo Lula, com a retomada do papel do Estado como indutor do crescimento econômico, fortaleceram contrapesos à hegemonia do capital financeiro, mas as tensões sobre taxas de juros – entre outras – revelam como o tema está pendente.
A passagem a um outro modelo, que promova expressamente a hegemonia do setor produtivo – sob suas distintas modalidades e em distintos setores da economia – ao lugar hegemônico, é um tema pendente, do qual depende não apenas a sustentabilidade econômica do Brasil, como a geração de empregos, a disponibilidade de recursos para políticas sociais, entre outros temas chaves no destino do país. A reincorporação do Banco Central como elemento orgânico articulado com o conjunto da política econômica do governo é outra questão pendente.
Por outro lado, o campo brasileiro – e, em grande medida, latinoamericano –passou por um processo de modernização conservadora, com a proliferação das grandes propriedades vinculadas ao agronegócio, que mudaram o panorama agrário no país. Intrinsecamente vinculado a esse processo esteve a proliferação dos transgênicos, nas grandes, medias e pequenas empresas. Se fortaleceu a pauta exportadora, deteriorando a terras, em detrimento da autosuficiencia alimentar, da economia familiar, da produção para o mercado interno.
A construção de um modelo agrário que contemple a exportação, mas que, antes de tudo, fixe os trabalhadores no campo, mediante a reforma agrária pendente, que incentive ainda mais a produção das pequenas e medias empresas, que coloque limites aos transgênicos e cuide da qualidade da terra, resta sem dúvida como uma questão central para o segundo mandato.
Uma terceira questão a enfrentar é a da quebra do monopólio empresarial da mídia privada. Não haverá um Brasil democrático sem formação democrática da opinião pública, para o que é necessário atuar em distintas direções. Primeiro, deixar de seguir privilegiando recursos governamentais em publicidades nos órgãos que representam cada vez menos – basta dizer que atacam todos, todos os dias, ao governo, e só conseguem ter 5% de rejeição do governo. Democratizar o acesso às publicidades do governo, seguir na linha de descentralização, de fomento às distintas formas de imprensa alternativa, incluindo rádios comunitárias, blogs e outras formas novas.
O que não impede que se tenha que fortalecer e melhorar muito os espaços da imprensa pública. É preciso melhorar a sua qualidade, seus recursos, democratizá-la ainda mais, articulá-la regional e internacionalmente, fazendo com que tenha papel central nas novas pautas do país e do mundo, participando dos grandes debates que o Brasil tem que enfrentar, junto às forças populares e culturais.
Em suma, democratizar econômica, social, política e culturalmente o Brasil é centralmente promover a esfera pública, a universalização dos direitos, revertendo o imenso processo de mercantilização da sociedade promovido pelo neoliberalismo, no corpo social, no Estado e nas mentes das pessoas.
Dois grandes desafios se colocam para o PT – além desses, a ser atacados a partir do governo. O primeiro é o desafio de centrar o trabalho de massas no apoio à organização desses imensos contingentes “lulistas” – para designar de alguma forma os amplos setores beneficiários das políticas sociais do governo, que o apóiam firmemente – e à sua consciência social, política e cultural, que ajude a transformá-lo em um sujeito político ativo no novo bloco social no poder que se necessita construir.
Essa é uma tarefa do PT como partido, mas também com os movimentos sociais e culturais, que deve traduzir as grandes transformações econômicas e sociais que o país está vivendo, em transformações políticas e culturais. Representaria mudar a base social em que se assenta o partido, reinserindo- o no novo panorama que a formação social brasileira apresenta, neste caminho de saída do modelo neoliberal para um pós-neoliberal.
A outra grande tarefa é a de geração, por múltiplos condutos, de novas formas de sociabilidade, alternativas ao “modo de vida norteamericano”, centrado este no consumismo, no individualismo, na violência, nas drogas, em religiões alienantes. Traduzir a generosidade das nossas políticas sociais em valores de solidariedade, de cooperação, de desalienação das consciências, de humanismo. (Mutirões como um para lugar contra o analfabetismo ainda fortemente reinantes entre nós, contribuiriam para isso).
Encarar e resolver positivamente esses desafios é encarar os maiores desafios na construção de um Brasil justo, soberano e solidário.
Da Carta Maior
domingo, 14 de fevereiro de 2010
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