quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

"Quem tem medo do Estado forte?" - Mídia anacrônica e seu auto-engano

Como demonstrou com propriedade Celso Lungaretti, tal empreitada não se baseia no retrato fiel da visão que a candidata tem sobre a questão, expressada em um livro-entrevista, em discursos, em interlocuções com jornalistas, políticos e empresários ou mesmo no modo como vem gerenciando o PAC. Esta, quando levada em conta, é reiteradamente distorcida de modo a sugerir uma espécie de stalinismo econômico, em que a intromissão pervasiva do Estado nos diversos setores da economia dá-se por intermédio de métodos autoritários.

A Folha de S. Paulo é o órgão de imprensa que mais vem insistindo em tal tecla, na base do “se colar, colou”, tal como faz com as fantasias plenas de distorção que alimenta em relação a um terrível passado da terrorista Dilma, as quais têm lugar uma vez mais na manchete deste ensolarado domingo.

Trata-se, ao meu ver, de uma estratégia duplamente reveladora do grau de auto-engano em que se encontra (sic) a chamada grande imprensa em sua fase atual, em que, em bloco e explicitamente partidarizada, repete à exaustão, para um círculo cada vez menor e mais elitista de leitores, um ideário neoliberal desautorizado pela crise econômica mundial e - tal como o candidato presidencial que apoia, ele próprio a tais mantras ainda preso - anacrônico e em franca decadência.

Tal anacronismo, insistente na defesa de um receituário que se revelou falho em âmbito global e catástrófico em termos de América Latina – Brasil inclusive – é o primeiro indício do duplo auto-engano midiático acima mencionado. As desrazões que sustentam tal manutenção de ideologias em estado de putrefação se aliam em cadeia:

- Seu motivo precípuo é, na era do que Dênis de Moraes chama de “capitalismo infotelecomucaciona l”, a ligação estrutural entre mídia corporativa e capital “telefinanceiro”;

- Sua consequência regional é o apoio não assumido mas explícito ao candidato presidencial do PSDB, partido que há muito abandonou uma incipente plataforma social-democrata como forma de se tornar linha política auxiliar do mercado financeiro;

- E seu ponto cego é a recusa em enxergar que, a despeito da persistente relutância do governo Lula em deslocar-se para fora da órbita neoliberal, a ênfase sociologizante que sua administração imprimiu às políticas de Estado equivalem a uma reificação do neoliberalismo tal como preconizado pelo Consenso de Washington – como, aliás, tem sido amplamente reconhecido nos fóruns internacionais.

O segundo indício do auto-engano de nossa mídia é o profundo desconhecimento do estado de ânimos da maioria da população em relação a esse feixe de temas conectados à dicotomia privatização-estatização. A “naturalização” da visão positiva acerca de um estado mínimo e das privatizações foi, na verdade, um longo processo de convencimento da opinião pública, top-down, promovido pela mídia corporativa (na época em que não havia o contraponto proporcionado pela internet), um tanto paradoxalmente sob o patrocínio estatal do governo Collor e, a seguir, do duplo mandarinato fernandista.

Nunca se soube se tal processo massificado de lavagem cerebral foi bem-sucedido. O certo é que as pesquisas feitas de 2008 em diante mostram que a rejeição da população a privatizações é da ordem de 70%, em média. Talvez ela se sinta enganada pela alegada panaceia das privatizações do patrimônio público - que salvariam o país mas o levaram à insolvência.

De qualquer modo, migrando da miséria dos tempos de FHC – quando a energia elétrica era racionada e as estradas estavam intransitáveis – para a bonança dos últimos anos – quando o consumo explodiu e as classes C e D ascenderam -, é muito provável que, ao contrário do que as editorias jornalísticas pensem, a defesa de um Estado forte, marca do período, soe como música aos ouvidos da maioria da população, que tende a associá-las a melhorias sociais e estruturais e à criação de empregos.

Mas a mídia corporativa brasileira, como sabemos, nutre um total desprezo pela opinião pública – até porque leva a sério a boutâde de Millôr Fernandes segundo a qual “opinião pública é a opinião que se publica”.

Temos assim que a tentativa de desqualificar Dilma Rousseff exagerando seus pendores estatizantes tem tudo para ser mais um tiro no próprio pé da mídia.

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