terça-feira, 17 de novembro de 2009

Especulações mensaleiras

A entrevista de Lula para a Rede TV traz informações interessantes, e que prometem novidades candentes para o debate público nacional. Suas declarações indicam que não existe pós-Lula. Ele não será mais presidente mas permanecerá sendo um quadro político e, como tal, continuará participando da vida pública. Ele prometeu não se intrometer no novo governo, pois não quer seguir o comportamento desagradável e invejoso de FHC, mas já revelou que pretende estudar os problemas e as crises que ocorreram em seu próprio governo, e abrir a discussão para a sociedade. Bem que FHC poderia fazer isso. Em vez de falar do governo Lula, poderia explicar melhor os descalabros de seu governo, a começar pelos bastidores da emenda constitucional que (literalmente) patrocinou para mudar as regras eleitorais em benefício de si mesmo.

Na conversa com Kennedy Alencar, Lula falou, dentre outras coisas, sobre o mensalão. Disse coisas importantes que este blog já vem dizendo há tempos. Eu elenco abaixo alguns dos argumentos de Lula, misturados à minha própria opinião.

1) Houve confusão entre mensalão e verba para campanha. A tese de que o dinheiro visava comprar apoio dos parlamentares nunca passou de uma tese. Nunca foi provada. É muito mais racional que se tratava de sobras de caixa 2. É crime do mesmo jeito, mas um crime infinitamente menor, comum a todos os partidos. Os que acreditam no mensalão nunca procuraram informar ao povo o mais importante: afinal que raio de leis e projetos eram esses que precisavam ser "comprados". Se houvesse um projeto similar à reeleição de FHC, por exemplo, entenderia-se. Mas comprar deputados da própria base? Ã? 15 mil reais para o professor Luizinho é mensalão? E como o governo poderia controlar os parlamentares se o voto é secreto? O único mensalão realmente provado, com réus confessos, foi o ocorrido na era fernandista, para bancar a emenda da reeleição. FHC, o subperonista, além de comprar a sua reeleição, manteve um câmbio artificial com prejuízo de dezenas de bilhões de reais para o Tesouro, com vistas à sua vitória nas urnas em 1998.

2) Nunca ficou provado o uso de verba pública. Teve aqueles 100 mil da Visanet, mas para provar que foi verba pública, os acusadores tiveram que aceitar argumentos um tanto complicados de que o dinheiro saiu de x, foi para y, chegou em w, passou por g, e chegou em b. O resto foram verbas de empresas privadas. Eu acrescentaria: bem diferente do mensalão tucano, inteiramente com verba de estatais. De qualquer forma, o Visanet envolveu 100 mil e o mensalão ficou em 20 milhões. Se houvesse verba pública, teria sido 1% do mensalão.

3) Segundo apurou o professor Wanderley Guilherme dos Santos, na edição de setembro de 2005, em seu artigo intitulado Fisiologia do Caixa 1, Lula já era, em 2002, o candidato preferido não apenas pelo povo, mas de todos os empresários do país. O Caixa 1 da campanha de Lula superou o de Serra, conforme se pode constatar na tabela abaixo ;


Estes dados são importantes para desconstruir a falsa tese (hoje desmoralizada, embora ainda empunhada por alguns) de que Lula é apoiado apenas por miseráveis que recebem o bolsa família. Lula teve contribuição, bastante equilibrada aliás, de todos os setores nacionais, particularmente os ligados à produção. Serra, por outro lado, teve uma contribuição muito concentrada do setor financeiro, ou seja, dos bancos, interessados que o governo mantivesse a política recessiva e de juros altos que, apesar de quase destruir o país, tão bem fez aos neo-plutocratas de São Paulo. Essa tabela também desmente a tese de que Serra seria um "desenvolvimentista ". Os empresários que apostam em campanha, e creio que eles sabem o que fazem, não acreditaram nessa balela. As forças desenvolvimentistas do país não acreditaram nesse discurso, e Serra teve que buscar recursos entre os monetaristas.

4) Lula falou sobre armação. Marcos Valério, operador do caixa 2 em Minas Gerais em 1998, aproximou-se do PT após o primeiro turno da eleição de 2002. Entre o primeiro e o segundo turno da campanha de 2002, surge Marcos Valério, com dinheiro (hoje se sabe) de Daniel Dantas e uma boca pra lá de mole. Encontrou-se com Delúbio Soares, e outros do PT, e daí negociaram um gordinho caixa 2 de campanha. Lula afirmou que, depois que largar a presidência, irá, por conta própria, investigar o que aconteceu. A mídia sempre levantou a questão principal: de onde veio o dinheiro do mensalão? Depois que a PF descobriu que a maior parte dos recursos vieram de empresas controladas pelo banqueiro Daniel Dantas, estranhamente, a curiosidade midiática desapareceu. Eu me permito, assim como Lula, alimentar uma tese. Houve uma armação contra o governo, e o responsável foi Daniel Dantas. O objetivo era chantagear o governo para manter o controle sobre os fundos de pensão. Quando ele viu que o governo não iria ceder, e que iniciou uma batalha, justa e necessária, para tirar os fundos de suas mãos ávidas, ele deflagrou o golpe. O PT errou, claro, ao cair da armadilha, porque é um partido rico em aloprados babacas, vide 2006, quando um punhado deles tentou comprar um dossiê contra Serra. A articulação de um golpe desse jaez, porém, denota um imenso desprezo pelas instituições brasileiras e, se for verdade, merece, no mínimo, ser totalmente esclarecida e exposta à sociedade, para que nada semelhante volte a acontecer no futuro.

Mas tudo pode ser paranóia, não? Quem viver, verá. Não boto a mão no fogo por ninguém, mas se Ali Kamel, diretor de jornalismo da TV Globo, pode "testar hipóteses", eu tenho o direito de especular, não tenho?

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