Terminei há pouco a leitura de “O ministro Che Guevara, testemunho de um colaborador” (Garamond), do engenheiro químico Tirso Saenz, que trabalhou com o Che no Ministério das Indústrias logo após a revolução cubana e com quem teve contato estreito até a partida deste para a Bolívia, onde morreria em 1967.
O interessante do testemunho de Saenz deriva da maneira como se uniu à revolução, após a vitória liderada por Fidel Castro. Engenheiro químico formado nos Estados Unidos, Saenz conheceu de perto o american way of life, trabalhava na filial da Procter & Gamble em Havana e se considerava um anticomunista, “mesmo sem saber muito bem o que era isso”.
Com a nacionalização da empresa pelo governo revolucionário, foi convidado a trabalhar em um alto cargo nos EUA, opção que chegou a considerar. Munido de uma carta da Procter & Gamble, dirigiu-se ao consulado norte-americano e só não deixou Cuba por ser maltratado por um vice-cônsul arrogante que duvidou de sua formação. Irritado com a postura do funcionário e atormentado pela idéia de deixar o país que amava, mandou o diplomata à merda e ficou no país.
Com a evasão de cérebros cubanos após a revolução, Saenz logo assumiu funções técnicas e em pouco tempo foi indicado para a vice-diretoria do Instituto Cubano de Petróleo (ICP). Com sua retidão de caráter e a responsabilidade diante da função que lhe era oferecida, sentiu-se no dever de explicar a Che Guevara, que comandava o Instituto Nacional de Reforma Agrária, a quem o ICP se vinculava, as circunstâncias de sua decisão de permanecer em Cuba.
Nesse episódio se revela uma das facetas de Che, o trabalhador incansável, que varava madrugadas na construção de um novo país. Saenz solicitou uma entrevista com Che ao seu chefe de gabinete, que lhe avisou que o comandante o receberia no dia seguinte às duas horas. Saenz respondeu-lhe que estaria lá às duas da tarde em ponto, ao que o chefe de gabinete replicou que a entrevista seria às duas da manhã.
No encontro, Saenz contou toda a sua formação e história, principalmente a consideração da oferta para trabalhar nos EUA, e travou com o Che um curto e objetivo diálogo.
- Mas você vai sair do país, perguntou-lhe o Che.
- Não.
- Você está disposto a trabalhar conosco?
- Estou...
- Rapaz, me parece que você é uma pessoa honesta. Então, ao trabalho!
A partir daquele dia, Saenz passou a tratá-lo de Che e desenvolveu uma relação de admiração e respeito tão profunda a ponto de educar seus filhos, como conta, inspirado no exemplo do Che.
O que brota do livro de Tirso Saenz é o compromisso absoluto do Che com seus ideais, sua visão estratégica das questões em que se envolvia, no caso, principalmente, a construção de uma indústria em Cuba diante de todas as precariedades do momento histórico, e, principalmente, o homem, sem vaidades, disciplinado, com rigorosos valores morais e respeito pelo semelhante.
Nesse sentido, destaco outro trecho do livro em que Saenz é repreendido pelo Che por ter reclamado de ter que inspecionar uma modesta fábrica de chapéus, quando já estava envolvido com questões altamente estratégicas para o desenvolvimento industrial do país.
- E o que quer o “senhorito”, visitar somente as fábricas importantes, adequadas ao seu nível? Não senhor, você tem que visitar todo tipo de unidades para conhecer os problemas que têm essas pequenitas unidades das quais ninguém se ocupa.. Aí há operários de carne e osso que muito agradecem e se sentem estimulados quando um dirigente vai ocupar-se pessoalmente dos seus problemas.
Tirso Saenz é um engenheiro e seu texto muitas vezes se desenvolve como um relatório, mas trazendo importantes aspectos da conjuntura cubana nos primeiros anos da revolução. Com seu testemunho, revela grande parte da contribuição pioneira do Che para que Cuba deixasse de ser, como era jocosamente tratada, um país de sobremesa: açúcar, café, tabaco e rum.
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
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