sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Serra deixa povo na merda dentro do conjunto habitacional do CDHU

Imagine que, um dia, alguém do governo aparece e diz que você precisa sair da sua casa. Não importa o motivo. Você tem que sair. Vai fazer um cadastro e, se der sorte, será mandado para um conjunto habitacional. Se não houver apartamentos disponíveis, receberá um seguro-aluguel de R$ 300 por seis meses. Depois disso, é por sua conta. Sua casa já terá sido demolida no dia seguinte ao primeiro recebimento do seguro. Se não conseguiu lugar para ficar, problema seu. O "incentivo" do governo foi dado. Você deveria ter procurado melhor.

Essa é a história dos afetados pelas enchentes na várzea do Rio Tietê, no extremo leste de São Paulo. Mas há um erro no parágrafo acima. Não há "sorte" numa situação como essas. Muitos dos que foram para um dos conjuntos da CDHU já se deram conta de que o drama está longe do fim.

As 180 famílias levadas na virada do ano pelo governo do Estado para um conjunto habitacional em Itaquaquecetuba, o "Portal da Serra", se depararam com um problema atrás do outro. A começar pela localização da nova moradia: a 11 quilômetros de onde moravam. Parece pouco para quem tem carro. Mas é uma 'Rússia' para os que dependem de um sistema de transporte que é simplesmente inexistente. Não há ônibus fazendo a ligação entre casa nova e casa velha.

Na remoção das famílias, o governo parece ter ignorado o fato de que a vida delas estava ali, naqueles bairros. O trabalho ficava no Jardim Romano, na Vila Aimoré, na Chácara Três Meninas, no Itaim. E está acabando. "Das 180 famílias que vieram pra cá, já sabemos de 12 pessoas que perderam o emprego simplesmente porque os patrões não querem pagar duas passagens pra gente ir trabalhar", diz Leandro Ferraz Dias, 30 anos, pai de três filhos. Ele trabalhava como ajudante de obras na Vila Aimoré. Perdeu o emprego.

Há outros problemas. A simples presença de Leandro e das outras famílias no conjunto gera um foco de tensão na vizinhança. "Estes prédios estavam sendo prometidos para o pessoal aqui de Itaquá. Aí o governo veio e colocou a gente aqui. A gente sente a revolta das pessoas, mas o que podemos fazer? Nós não escolhemos vir pra cá", diz Leandro. "Agora a gente vai no mercado e ouve aquela ladainha. 'Esse pessoal do Itaim veio roubar nossas moradias'. Pô, a gente não tem culpa!"

Pior do que isso são as instalações precárias do conjunto, cujas obras se arrastavam há anos. A abertura dos prédios foi feita em caráter de emergência. A ligação com a rede da Sabesp é precária e todo dia falta água nos apartamentos. O abastecimento é feito com caminhões-pipa. Triste ironia: falta água para os alagados. "E quando ela vem, é suja, cor de barro", reclama Marcela Alves, do apartamento 44, bloco 4. "Minha nenê está com diarréia por causa dessa água."

A reportagem do Yahoo! foi cercada na chegada ao conjunto. O clima era de revolta. As pessoas reclamavam, gritavam que iriam até a Subprefeitura de São Miguel Paulista (responsável pela área onde moravam) para protestar. Elas discutiam entre si. "A gente vai lá e eles chutam a gente que nem cachorro. Por que ir então?", diz uma garota adolescente. "Nós somos seres humanos, não cachorros. Eu vou lá reclamar meus direitos. Não importa se vão me chamar de barraqueira de novo", rebate uma mulher mais velha.

Há infiltrações em vários apartamentos, o gesso está caindo do teto dos banheiros de alguns deles. Não há extintores de incêndio e os corrimões das escadas estão no chão. Botijões de gás ficam desprotegidos da chuva, a céu aberto. Mas o maior absurdo está no apartamento 13 do Bloco 4, ocupado pela dona de casa Maria Gomes. O esgoto começou a subir pelo ralo do banheiro, inundando a casa. A situação é repugnante. Há fezes por todo o lugar. Viver com água das chuvas na altura das canelas é o paraíso se comparado àquela cena. "Me tiraram da minha casa para me colocar na merda!", desabafa Dona Maria.

Alexandre, filho dela, conta que ligou inúmeras vezes para Sabesp e CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo) para que resolvessem o problema. "É um jogo de empurra e ninguém toma uma providência." Ele tomou. Abriu a caixa do esgoto, que fica ao lado do apartamento, e a encontrou toda entupida. "Eu falei para a assistente social que nós mesmos tentaríamos arrumar aquilo e ela não deixou, fez ameaças, disse que a gente ia perder os direitos sobre os apartamentos. "


A CDHU informou ter enviado nesta quarta-feira (3) uma equipe técnica ao local para fazer o reparo na bomba responsável por levar a água da rua para a caixa-d'água do conjunto habitacional. Mas a companhia reconhece que, em todas as suas unidades, são os próprios moradores os responsáveis pela operação da bomba e que, nas duas vezes anteiores em que foi chamada, constatou-se o erro no manuseio do equipamento. Faltou ensinar corretamente como se usa, portanto. Já a Sabesp garante que o condomínio Portal da Serra está sendo abastecido normalmente.

Sobre o fato de o local do reassentamento ser muito distante da moradia original dos desabrigados, a assessoria da CDHU explica que trata-se de uma questão de disponibilidade - não há outro conjunto habitacional naquela área que esteja pronto para receber tanta gente. Aliás, das quase três mil famílias afetadas pelas enchentes na várzea do Tietê, só 340 já conseguiram moradia - além das 180 que foram para o condomínio Portal da Serra, 100 foram para o Safira e 60 para o Morada das Flores, todos em Itaquá. Os outros desabrigados vão receber o auxílio-aluguel de R$ 300 por seis meses. E só.

De Juliano Costa

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