sexta-feira, 21 de maio de 2010

O espetáculo vergonhoso das revistas

É incrível como as revistas semanais brasileiras esqueceram de destacar em suas capas a crise européia, fato mais importante no cenário capitalista em crise, durante a semana passada. Estão com medo de ir fundo no assunto? Teriam que explicar por que as coisas estão acontecendo de forma autodestrutiva, especialmente, no centro do capitalismo mundial? Seriam obrigadas a mergulhar jornalisticamente nos que disseram mais largamente sobre os pressupostos das crises, como são os casos de Malthus, Marx, Schumpeter, obnubilando os papas neoliberais amados pela grande mídia, como Jean-Baptiste Say, por exemplo, patrono dos demais, com sua tese furada de que toda oferta gera demanda correspondente.

Ficaram na superfície dos acontecimentos. Fogem deles, principalmente. Veja, IstoÉ e Época se comportaram vergonhosamente. Trataram os seus leitores(as) como crianças abandonadas, sem capacidade crítica. Desrespeito total que teria de ter como resposta cancelamentos de assinaturas. Não estão dando à derrocada capitalista especulativa a mesma dimensão que deram à queda do Muro de Berlim, pois o caso é tão rebumbante como. A queda espetacular da União Soviética mobilizou geral o mundo midiático, que deitou explicações pormenorizadas sobre o que considerou fracasso socialista do realismo soviético. Mas, e o fracasso capitalista? Não estão preparados para essa explicação ou, simplesmente, escamotearam- na?

"O ouro dos tolos"

Tentam, uniformemente, culpar a Grécia como geradora dos acontecimentos. Sendo país cujo PIB é menor do que o de Minas Gerais, sem base industrial, dependente quase exclusivamente do turismo, a terra de Sócrates, berço da democracia, não teria, evidentemente, peso específico para balançar tanto, como balança, o sistema, afogado na especulação financeira. Da mesma forma, os analistas tentam demonstrar que se trata de fenômeno europeu. Igualmente, buscam explicar, falsamente, que há uma diferenciação entre economia real e fictícia, quando esta avançou diante da impossibilidade daquela viver sobre as próprias pernas, no processo de sobreacumulaçã o de capital, que gera crônica insuficiência de demanda global, levando o colosso, invariavelmente, à deflação, como destacou no século 19, Malthus.

É como se o processo de globalização deixasse de existir, no sentido da expansão do capital, configurando sua globalidade intrínseca. Marx, que já fizera gato e sapato do capitalismo, demonstrando suas contradições, cansou de dizer que as grandes crises totalizantes do capital iniciam nos países mais desenvolvidos. Neles, quando as contradições decorrentes da sobreacumulaçã o desatam , logo, logo , buscam transferi-las para outros em forma de dívidas externas, instrumentos, segundo o autor de O Capital, de dominação internacional, responsável por desarticular todas as periferias, como a história do século 20 demonstra à larga.

Os fantásticos déficits americanos financiados via emissão de papéis-moedas sem lastros, ganharam, ao longo das duas últimas décadas, o mercado europeu, depois da criação do euro. Os bancos europeus, ao recepcionaram o dinheiro americano desdobrado em derivativos de diversas naturezas, como destaca Gillian Tett, jornalista do Financial Times, em "O ouro dos tolos", inundaram a praça européia de papéis que foram adquiridos pelos governos em troca de títulos soberanos da dívida pública.

Escamoteamento da verdade

A Grécia, Portugal, Espanha, Inglaterra, Itália, enfim, todos os países do velho continente, embarcaram na ciranda, até que tudo foi aos ares. Ou seja, o negócio começou na América do Norte e veio descambando, pegando todos de roldão. Não se fala nisso, isto é, na derrocada do sistema monetário apoiado na moeda papel, que veio para substituir o padrão ouro do século 19, considerado por Keynes relíquia bárbara. Os bárbaros foram substituídos pelos especuladores de papéis que, nesse início de século 21, entram em parafuso. Deixam de ser funcionais ao mesmo tempo o ouro e o papel-moeda.

O que virá em seguida? Ninguém discute a falência dupla das armações monetárias capitalistas, agora, no chão. Os pepinos estão nos bancos europeus. O mercado financeiro está todo bichado, esperando por um milagre da estatização bancária européia por intermédio da intervenção do Banco Central Europeu com devido consentimento desesperado dos líderes da Europa, todos no mesmo saco de gatos. Por que a grande mídia não entra nessa história.

Claro, está na caixa dos bancos. Sem eles, como fica o operacional empresarial financeiro especulativo das grandes mídias? Ficam elas desviando o assunto, como se os gregos, daquele tamanhozinho fosse capaz de tanto estrago. Teriam que falar da bancocracia que ultrapassou os estados nacionais, mediante desregulamentaçã o bancária, condenada, nesse instante histórico fenomenal, pelos líderes políticos fracassados que correm atrás do prejuízo. Conseguirão? Falta, evidentemente, jornalismo econômico competente, sobretudo, falta história, para apontar o dedo para Tio Sam, demonstrando que a partir dos déficits americanos, outrora dinamizadores da demanda global, sob dólar todo poderoso, como dinamizador da divisão internacional do pós-guerra, jogaram o capitalismo ocidental no chão. O desrespeito para com leitores e leitoras terá que continuar como forma de escamoteamento da verdade, cuja elucidação representaria o próprio fracasso midiático.

Por César Fonseca

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