Política externa do Brasil é o prato predileto do cientista político André Luiz Reis da Silva. Sua tese de mestrado em História enfocou as relações internacionais do país sob o Governo Castelo Branco. Seu doutorado em Ciência Política teve como tema as relações internacionais durante o período Fernando Henrique Cardoso. Professor do curso de pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), André Silva respondeu a Ayrton Centeno, de Brasília Confidencial, sobre os movimentos do Itamaraty no xadrez da política global e o novo protagonismo do Brasil no mundo.
Brasília Confidencial – Qual a comparação possível entre as políticas externas dos governos FHC e Lula? Quem sai favorecido?
André da Silva – FHC teve dois governos: o primeiro era mais otimista em relação à globalização e a abertura econômica; o segundo já estava condicionado pela crise do real e a agenda pós 11/09, no qual vai fazendo a crítica à “globalização assimétrica”. Em comparação com Lula, temos alguns elementos de continuidade (como América do Sul-Mercosul) , mas com uma mudança de enfoque. Lula prioriza as articulações de “geometria variável”, mas a grande diferença são as parcerias estratégicas e a defesa da multipolaridade. A política externa de Lula é bem mais ousada e está mais adaptada ao real tamanho e peso do Brasil nas relações internacionais. O segundo governo FHC já vai preparando terreno para a política externa de Lula.
BC – O presidente de Honduras, Manuel Zelaya, deixou a embaixada do Brasil em Tegucigalpa após uma queda de braço entre o Itamaraty e a maior parte da América Latina contra o governo golpista. Quem ganhou e quem perdeu?
André – Poderia dizer que o Brasil foi quem menos perdeu, pois não é uma área politicamente prioritária (mas que tem um certo aumento de interesse). No final das contas, não consigo ver vencedor. Talvez os republicanos dos EUA. Claro que o grande perdedor foi Zelaya, mas ele reuniu um capital político e visibilidade neste processo, que poderá ser aproveitado.
BC – Em que medida o desfecho do episódio da deposição de Zelaya e o golpe sem punição, apesar da união internacional na condenação, pode estimular uma onda de golpes brancos com apoio do Legislativo ou do Judiciário no continente?
André – O caso Zelaya mostrou como está mais difícil acontecerem golpes na América Latina. A esquerda ganha o poder no Executivo (isoladamente a instituição mais poderosa), mas não detém hegemonia absoluta sobre outros setores sociais e econômicos, que se entrincheiram em instâncias como Legislativo, Judiciário, imprensa, organizações empresariais. Entretanto, a grande novidade é a “quase intolerância com o golpismo”.
BC – Fala-se que o desfecho de Honduras tem o dedo dos EUA, mais especificamente da secretária de Estado, Hillary Clinton. Um desfecho que desgastaria politicamente Chávez e Lula e seria um sinal de que a diplomacia norte-americana estaria apostando suas fichas na retomada do papel de destaque da nação na América Latina perdido parcialmente durante os anos Bush. O senhor.concorda?
André – Obama foi dúbio na questão de Honduras. Ele enfrentou um dilema. Se Zelaya vencesse, pareceria uma vitória de Chávez, o que seria ruim na opinião pública interna. Se Zelaya perdesse, perdia como líder da manutenção da democracia na América Latina. A questão de Honduras tem a ver com o poder do Partido Republicano, que tem ascendência sobre a América Central. As conexões com a empresa Chiquita Banana — que havia se indisposto com Zelaya no inicio de 2009 em função do aumento do salário mínimo — mostram isso.
BC – Como observa o papel desempenhado pelo Brasil no Haiti? O país anunciou uma ajuda de US$ 15 milhões aos haitianos, enquanto economias mais poderosas, como a Alemanha e a China, limitaram-se, até agora, a US$ 1 milhão.
André – É o reflexo do nosso envolvimento. O Brasil, já engajado no processo de paz, respondeu imediatamente com envio de ajuda humanitária, e será um dos líderes do processo de reconstrução do país. Entretanto, o que é uma mostra da vitalidade e solidariedade do governo e do povo brasileiro, tem ensejado leituras distorcidas a respeito da ajuda internacional. Infelizmente, setores da imprensa ensaiaram um argumento, acerca das respostas dadas pelo governo federal às tragédias que se abateram em vários pontos do Brasil em razão das enchentes provocadas pelas chuvas.(…) Assim, os nossos flagelados teriam sua ajuda desviada para um país distante. (…) O Brasil vem crescendo diplomaticamente nos últimos anos.
A ajuda brasileira é condizente com o papel que o Brasil vem tendo no sistema internacional. Todos os países que tem essa força e influência devem contribuir com a paz, a segurança, a estabilidade e o desenvolvimento, tanto do ponto de vista político, quanto econômico e, inclusive, militar. O Brasil tem uma responsabilidade maior que outros países sobre o Haiti, pois é o responsável pelas tropas que procuram construir a paz num país devastado pelos conflitos.
BC – Não apenas pelo protagonismo no Haiti, mas pela presença mais forte na América Latina e no mundo, especialmente as relações com a China, a India e outros países da Ásia e também da África, a diplomacia brasileira atingiu uma outra dimensão. Como avalia a figura do presidente Lula que aparece como o condutor deste protagonismo?
André – Lula tem uma grande capacidade de articulação política e, principalmente, sensibilidade política. Isso é fundamental, quando articulado com um grande projeto de desenvolvimento nacional. Saber diversos idiomas e ter um monte de diplomas não é prioridade na construção de um líder. É exatamente sua linguagem, percepção de mudança e um bom projeto, além da conjuntura nacional favorável, que têm dado as condições para a projeção do Brasil.
BC - Apesar das críticas internas, esta presença mais incisiva do Brasil no exterior ofereceu uma visibilidade e uma importância ao país nunca antes desfrutada. Mesmo assim, o senhor é otimista quanto ao pleito brasileiro de obter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU?
André – Só haverá mudança na ONU se o Brasil entrar. Qualquer outro arranjo que não incluir o Brasil estará fadado ao fracasso, pois excluirá uma importante região (América Latina) ou importante pais dessa região (Brasil) e um dos maiores do mundo. Por isso não é necessário fazer muita campanha.
BC - Para uma nação com economia diversificada e em desenvolvimento, grande população, mão-de-obra qualificada em crescimento e território fértil em recursos naturais como é o caso do Brasil, esta investida da política externa, independente, que busca novos mercados e novos negócios, não seria essencial para desenvolver as potencialidades nacionais?
André – É uma diplomacia adequada ao tamanho do Brasil e suas potencialidades. Em poucos governos o Brasil teve uma diplomacia tão sintonizada com seu próprio poder no sistema internacional.
BC – Na sua avaliação, a defesa do Brasil e de seu patrimônio, como o pré-sal, não implica em forte investimento na capacidade militar? O Brasil está fazendo isto?
André – Sim. Quanto maiores são as riquezas nacionais, maior deverá ser a capacidade de defesa. Os neoliberais dos anos 1990 pensavam diferente, e
diminuíram nossa capacidade de defesa. Agora, cumpre reerguer e ampliar essa capacidade. O Brasil tem feito isso, e é um investimento importante.
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
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