terça-feira, 23 de março de 2010

Picaretagem acadêmica

Há tempos que gostaria de falar sobre isso. É sobre uma reportagem que li, no ano passado ou no ano anterior. Um grupo de acadêmicos da PUC realizou uma pesquisa para saber se o carioca era mesmo solidário e a conclusão foi negativa. A notícia mereceu menção na capa do Globo, se não me engano. Era uma coisa ridícula. Os "cientistas" prenderam um bilhete nos pára-brisas dos carros onde estava escrito algo como: "meu carro quebrou, estou na rua ao lado, venha me ajudar". Era assim mesmo, um troço surreal. Ninguém foi lá, evidentemente. E aí a pesquisa concluiu que os cariocas não eram solidários.

Agora, leio no blog do Noblat, a seguinte nota, que igualmente é publicada na Folha sem nenhum comentário crítico, apesar das implicações "terríveis" que ela sinaliza para a democracia representativa mundial. Comento em seguida.

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Por que, no voto, emoção pesa mais que razão

Descoberta de pesquisas nos EUA de que escolha do candidato não é racional impõe questionamento sobre sentido da ideia de democracia representativa

De Hélio Schwartsman:

Como o eleitor escolhe seus candidatos? A resposta, já há tempos intuída por políticos e marqueteiros e que agora ganha apoio da neurociência, é que, na definição do voto, emoções são significativamente mais importantes que a razão.

Experimentos conduzidos nos EUA pelo psicólogo Drew Westen mostram que, com base apenas em questionários de cinco minutos sobre os sentimentos das pessoas em relação a certos temas, é possível prever com 80% de acuidade a resposta que elas darão a perguntas bastante precisas, como "o presidente mentiu ou disse a verdade?", "a Constituição autoriza ou não a adoção da medida proposta pelo governo?".

Enriquecer esse modelo com conteúdos mais propriamente racionais, considerando também informações sobre a situação em que o presidente teria mentido, por exemplo, tem impacto negligenciável nas previsões, que ganham apenas entre 0,5 e 3 pontos percentuais de precisão.

Em outras palavras, a realidade é só um detalhe para o eleitor, que raramente muda sua opinião em virtude de fatos que lhe sejam apresentados.

As implicações dessas descobertas, que vão ganhando atenção crescente dos departamentos de psicologia e ciência política nos Estados Unidos, não são triviais.

Se o voto não é o resultado de uma escolha racional e ponderada do cidadão -e poderia, em princípio, ser substituído por um teste de personalidade- , a ideia da democracia representativa continua a fazer sentido?

COMENTÁRIO

Eu prezo profundamente a ciência. Mas esse tipo de pesquisa picareta não me engana. Baseia-se em premissas débeis, desenvolve-se de maneira confusa, e tira conclusões apressadas e midiáticas. A emoção humana não deve ser dissociada do aspecto racional. A gente também pensa com nossas emoções. E a desconfiança em relação aos "conteúdos racionais" corresponde, provavelmente, ao descrédito incrível que a mídia tradicional desenvolveu junto aos americanos.

De Miguel do Rosário

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