sábado, 27 de março de 2010
Professores são brutalmente agredidos em São Paulo
(As fotos são da manifestação desta sexta-feira, onde professores foram brutalmente agredidos pela polícia de Serra. A primeira foto mostra um professor carregando um policial ferido; captada por Clayton de Souza, da Agência Estado, esta foto já se tornou sucesso absoluto na blogosfera; Leandro Fortes escreveu um belíssimo texto sobre ela em seu blog.)
Tem esse trecho, logo no início do conto. "Não sei explanar melhor sobre isto porque aconteceu um fato que é mais voraz do que as palavras em pássaros. Um fato que exaure todas as possibilidades. Pois é um fato cruento". João Gilberto Noll, quando escreveu Cego e a Dançarina, jamais poderia imaginar que alguém usaria seu conto para tentar compreender a brutalidade social em São Paulo. Mas as palavras, como ele mesmo diria, são pássaros enlouquecidos voando sob um sol anêmico. Quem é vivo, afinal, são os pássaros. Não o sol. São os homens, não é a cidade. Os homens, os cidadãos. Os professores. Muito fala-se em educação. Todos estão sempre falando em educação. Os editoriais batem na mesma tecla. Educação. O governo fala sempre que investe mais e mais em educação. No entanto, quem fala nos professores? Quem é que experimenta a rotina diária de inocular na cabeça de crianças ignorantes e adolescentes rebeldes cinco mil anos de cultura ocidental?
O governo de São Paulo, em vez de aumentar o salário de seus 200 mil professores, decide criar uma prova e impor condições mediante as quais uns ganharão bônus, outros não. Em vez de estimular o trabalho coletivo, a solidariedade entre os professores, a política educacional de Serra produz divisão. Quem avaliará o carinho e a bondade de uma professora que há vinte anos cuida de suas crianças como se fossem seus filhos? Ganhará menos que um professor recém-ingresso porque este respondeu melhor a uma prova arbitrária estabelecida pela secretaria de educação? Quem medirá o ensino da bondade, da coragem, da honestidade, da justiça, do amor? Em sua cegueira neoliberal, e distraído pelos latidos furiosos da mídia, o candidato à presidência da República, José Serra, não consegue ver a história dançando à sua frente.
Casualmente eu estive, semana passada, na manifestação dos professores paulistas, diante do MASP. Impressionou- me muito. Centenas de plaquinhas com nomes de cidades do estado. Campinhas presente, Jundiaí presente, Marília presente, Ribeirão Preto, presente. Eles vieram de toda a parte, com pouco dinheiro no bolso mas grandes esperanças na cabeça. A maioria mulheres, jovens ou senhoras. Cheias de energia, empunhando plaquinhas e faixas de protesto.
Era um protesto tão autêntico, tão sincero, que na verdade não correspondia apenas à questão salarial dos professores paulistas. "Não queremos bônus, queremos salário", gritavam os manifestantes. Mas o espírito que animava aquela manifestação era muito mais antigo. Lembrei-me, emocionado (e desculpe o diletantismo pedante), das terríveis lutas sociais da Roma antiga, que eu havia lido há pouco em Tito Lívio. A plebe e seus líderes contra os patrícios.
Tudo aquilo se repetia ali, na minha frente. Pouco mais adiante, já um pouco afastado do burburinho, eu cruzei com uma senhora que falava sozinha:
- Bando de vagabundos! Ordinários!
Olhei espantado. Ela vestia-se impecavelmente. Tinha um penteado que devia ter-lhe custado duzentos e quarenta reais, e entrou numa agência do Bradesco da Avenida Paulista. Não pude evitar um sorriso triste diante daquele simbolismo tão cru, tão brutal. Ela xinga os professores e entra no Bradesco. Meu espanto adveio do ódio profundo que emanava de sua voz, de seu olhar. Senti ali uma faísca da guerra interclassista. No ódio da madame pude ouvir os discursos de Appius Claudius contra a plebe.
Há poucas semanas eu estava no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio, lendo exatamente.. . Títio Lívio. As partes mais interessantes do primeiro volume são as lutas sociais doméstica de Roma. Plebeus versus patrícios. Ambos tem vitórias e derrotas. É interessante, porém, observar que, apesar das sucessivas vitórias patrícias, os plebeus sempre ganham no final. As leis romanas, em seu ir e vir reacionário ou revolucionário, acaba sempre por dar ganho de causa aos plebeus. Porque eles formam a grande maioria. E porque eles são combativos. Nunca desistem de seus sonhos. São guerreiros. São corajosos. São romanos. A grandeza romana, portanto, está ligada visceralmente às vitórias de suas classes trabalhadoras. A ascensão de Júlio César é seu triunfo final, pois César era ligado aos "populares", o partido da esquerda romana.
Esse triunfo, infelizmente, corresponderá ao fim da democracia romana. Não fora César, é bom enfatizar, o carrasco maior da república. São as classes conservadoras, com seu egoísmo inquebrantável, sempre querendo amealhar todas as terras e sempre especulando com o preço dos alimentos, que levam o império a quase se desfazer em pedaços.
Esqueçamos Roma, todavia. Temos aqui um material profundamente vivo, terrivelmente vivo, para analisar. Nesta sexta-feira 26 de março, dezenas de milhares de professores protestaram mais uma vez contra o governador José Serra.
Eu acompanho a luta dos professores de São Paulo desde o início. Desde que a secretaria de educação decidiu reformar a política de remuneração e carreira dos professores sem o mínimo respeito aos anseios e propostas dos próprios professores. As associações e sindicatos da categoria foram, desde sempre, ignorados, tratados como inimigos, desprezados. E com apoio da mídia, sempre. A mídia paulista nunca se posicionou ao lado dos professores.
Voltei a pensar em Tito Livio, então. A educação é também uma espécie de guerra. Contra a ignorância. Os professores são os soldados. Lembrei que, na Roma Antiga, quando os soldados, por razões politicas, estavam insatisfeitos com seus generais, eles perdiam deliberadamente as batalhas. Foi assim, inclusive, que os plebeus imporam tantas vitórias aos patrícios. Eles ameaçavam entregar Roma a seus inimigos se os patricios não lhes fizessem justiça. Preferiam ser dominados por outros povos a ser escravizados por seus próprios conterrâneos. Por outro lado, não se pode acusar os soldados e plebeus romanos de antipatriotismo. Ao fim, eles sempre acabavam lutando por seu país, e sempre demonstraram infinita paciência e moderação em suas demandas.
Entretanto, como o senhor Paulo Renato, secretário de educação de São Paulo, pretende dar combate à ignorância no estado, se não respeita os soldados desta guerra? Como ele pretende entusiasmar os professores do estado dando-lhes vale-refeição de quatro reais? Desmerecendo seus sindicatos? Mandando espancar os professores?
O secretário de educação deveria ser aliado dos professores. Deveria proteger-lhes. Assim como o governador. José Serra, porém, não dialoga. Mais de quarenta mil professores protestam diante do palácio Bandeirantes, e o governador simplesmente desaparece. Pior, deixa que a polícia reprima o protesto.
O mais grave de tudo, porém, é a ofensa moral. Quando o governador e seus aliados na mídia tentam descaracterizar a luta sindical como mero instrumento de campanha eleitoral e partidária, dizendo coisas do tipo: "essa greve é política; é coisa do PT; é trololó petista; etc", quando age assim, Serra denigre gravemente a própria democracia, e a própria política.
Greves ou manifestações, mesmo quando procuram se ater exclusivamente a reivindicações salariais, sempre serão políticas. Esse aspecto político, longe de ser um "defeito", como Serra sugere, é o aspecto mais nobre de uma greve. Os trabalhadores não querem apenas salários. Exigem o direito de participarem das discussões políticas que moldarão o seu futuro.
A chave do sucesso de Lula, e Serra e seu secretários deveriam ter aprendido isso, é que ele nunca inventou nenhuma reforma mirabolante. Lula sempre discutiu as reformas com as próprias categorias que seriam afetadas. Vamos melhorar o ensino? Chamem os professores, chamem seus sindicatos, e vamos discutir, juntos, o que é melhor para a categoria. Serra não fez isso. Pretendeu impor, autocraticamente, ditatorialmente, reformas de cima para baixo, ignorando, desprezando, humilhando, os anseios e os sonhos de centenas de milhares de professores.
Falta bom senso aos tucanos. Como eles pretendem melhorar a educação do estado desta maneira, punindo os professores? Dando bônus em vez de salário? Como eles pretendem incutir o entusiasmo necessário? O combustível do reacionarismo, na maioria das vezes, é a estupidez e a falta da capacidade de se pôr no lugar do trabalhador. Não é preciso grande capacidade intelectual para imaginar que os professores precisam de condições psicológicas adequadas. O professor tem de estar tranquilo e satisfeito para poder ser um bom profissional. Mesmo se recebesse o triplo do que recebe hoje, mesmo se as condições de infraestrutura das escolas fossem maravilhosas, mesmo assim seria uma profissão difícil, porque não é mole enfrentar sozinho a teimosia e ignorância de dezenas de pestinhas. Entretanto, Serra pretende que os professores enfrentem tudo isso sem salário, sem condições estruturais, e ainda por cima sendo humilhados com mudanças autocráticas, de cuja formulação não participaram, e com as quais não concordam.
Não digo que o governo deva ficar refém dos sindicatos. Mas que mantenha uma discussão aberta, transparente. Se Paulo Renato decidira fazer uma reforma que contava com oposição dura da Associação dos Professores do Estado de São Paulo (Apoesp), deveria, no mínimo, ter feito um debate público, para que as opiniões pudessem ser confrontadas democraticamente e acompanhadas pela sociedade. Esse tipo de decisão de gabinete, fechada, formulada misteriosamente, pode servir para aumentar juros ou mexer no câmbio, mas não se pode agir assim em situações que afetarão profundamente a vida de 200 mil profissionais de ensino e milhões de crianças.
A história ensina que arrogância patrícia, quando tem o poder político e econômico, consegue esmagar facilmente as manifestações de insatisfação da plebe. Mas essa facilidade é sempre aparente e provisória. Porque a plebe, a cada derrota, ressurge mais forte. Mais violenta. Mais dura. O que os patrícios não conseguem compreender é que, à diferença deles, a plebe luta por sua própria vida. Quando se sabe que o vale-refeição do professor paulista é de 4 reais, está claro que sua luta (e isso, mais que tudo, é uma luta política!) é também por sobrevivência. E a luta pela sobrevivência é do tipo da qual não se pode nunca desistir, porque é uma luta de vida e morte.
Os tucanos deveriam aprender que a política de educação não deve se medir apenas por pontinhos a mais ou a menos na prova da Saresp. Observando aqueles milhares de professores se manifestando em frente ao MASP, eu vi que o professor luta pelo direito de ser feliz. Constatei ainda que o PSDB, ao acusar a Apoesp de fazer política partidária pró-PT, apenas humilha os professores, que sabem, no estômago, que não lutam pelo PT, e sim porque a merda de seu vale-refeição não paga nem um lanche, quanto mais um almoço! Com seu discurso preconceituoso (porque discrimina o sindicato e o professor por ter um partido político), o PSDB apenas empurra o professorado para a esquerda, produzindo mais um núcleo duro antitucano no estado.
A experiência da luta sindical, por parte dos professores, por outro lado, está produzindo novas lideranças. Esta é a beleza e a profundidade de tudo isso, porque não falo somente de lideranças políticas, sindicais e partidárias. Falo de liderança, ponto. Voltarão para suas escolas com o espírito mais amadurecido, e quando explicarem aos alunos a história da humanidade, terão, em sua mente, em seu coração, um grande arsenal de exemplos de solidariedade, coragem, astúcia, dor e medo, que somente a luta, a terrível luta da vida, pode nos ensinar.
COMENTÁRIO DESSE BLOG: Você assistiu isso na Globo? Na Band? A Veja reportou?
E por último, pergunto:
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Não foi o que o Brasil quis graças a Deus!!!
ResponderExcluirEssa é a vingança dos desesperados professores do Estado de são Paulo, que sirva de lição ao senhor governador eleito para 2011, nossas salas de aula são nosso melhor palanque, foi lá que Serra perdeu e foi humilhado por uma Mulher desconhecida segundo "ele".Dilma venceu as eleições, nós derrotamos o monstro Serra.