quarta-feira, 3 de março de 2010

Operação Irregular Despeja na Chuva Família Indígena em Itaipu (Niterói)

Na última quinta-feira, dia 25/02/2010, no loteamento Maravista, em Itaipu (Niterói - RJ), uma família de índios Guajajara - Pajé, esposa e sete crianças entre 2 e 14 anos - foi despejada na chuva, na lama, sem tempo sequer de recolher todos os seus pertences.

Uma mega-operação foi formada – que contou com representantes municipais da Secretaria de Obras, Meio Ambiente, Assistência Social, Conselho Tutelar, Fiscalização, Controle Urbano e apoio da Guarda Municipal, Polícia Civil e Polícia Militar, somando mais de 50 pessoas – para derrubar uma simples casa de barro e taboca (taquara); a ação foi comandada pessoalmente pelo Secretário do Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Niterói, José Antonio Fernandes (Zaff), que teve a sua cara de deboche registrada em vídeo, além de haver afirmado diante de dezenas de testemunhas (para justificar a operação) que: “Índio em Niterói só o Araribóia!”

O jornal O Globo – Niterói que tinha conhecimento total da operação, assim como conhecimento prévio da intenção da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos de agir contra os indígenas, não enviou nenhuma equipe ao local com a possível intenção de preservar a imagem do secretário Zaff – um político que certamente não quer ser visto pela opinião pública como racista nem algoz de crianças indígenas – ou, numa hipótese pior ainda, para não testemunhar possíveis truculências, em um caso flagrante de omissão profissional. Uma viatura da Polícia Civil estacionou na entrada do terreno e policiais desceram em direção da casa cerca de cinco ou dez minutos antes da chegada dos agentes municipais, mas ao verem uma câmera de vídeo retornaram ao carro (o que faz crer que, com a ausência de uma câmera para testemunhar, a ação poderia ter sido mais severa).

Sob a justificativa de que se tratava de área de preservação ambiental, não houve notificação prévia do despejo, pegando todos de surpresa em um dia de muita chuva e lama. A casa, construída dentro de um loteamento reconhecido pela própria prefeitura (ver mapa em anexo), em terreno comprado com dinheiro próprio, foi derrubada logo em seguida, sem nenhuma chance de conversação.

Os agentes públicos já entraram na propriedade dizendo ao Pajé Shimon Tenetehara que arrumasse “suas coisas”, pois teria que sair imediatamente e “decidir logo” se iria com a família “para um abrigo ou de volta para o Maranhão”. Diziam ao Pajé, entre outras coisas, que é difícil arrumar matricula nos colégios públicos da cidade e que os seus filhos “tomam as vagas de crianças de Niterói”.

Um dos agentes municipais que coordenavam a operação se recusou a falar – por celular - com o advogado da família, Arão da Providência, da Comissão de Direitos Humanos da OAB - que se encontrava preso em um engarrafamento na Ponte Rio Niterói, se dirigindo para o local com a escritura do terreno e o mapa do loteamento – mandando derrubar a construção imediatamente. Alegaram que uma árvore havia sido cortada pelos indígenas, o que caracterizaria crime ambiental, mas registros em vídeo feitos no terreno antes mesmo da chegada da família Guajajara (e durante todo o processo de construção da casa) provam que o local era um antigo campo de futebol tomado por um capinzal – não havendo árvores a serem cortadas.

Diante da alegação de que - exatamente defronte ao local aonde os agentes estacionaram as viaturas - há um casarão de dois andares com cerca de 20 árvores cortadas no terreno (os tocos escandalosamente aparentes) e que a 50 metros da humilde casa Guajajara há uma mansão de três andares construída sobre a pedra (o que é ilícito ambiental previsto pelo Sistema Nacional Único de Conservação) e habitada por norte-americanos, fica claro que a mega-operação da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Niterói contra a habitação indígena se caracteriza como um nítido exemplo de racismo e perseguição contra os índios brasileiros, os servidores municipais se calaram e seguiram no seu trabalho de coação e destruição.

Enquanto a casa era derrubada, membros do Conselho Tutelar afirmaram com cinismo terrorista que era preciso “levar as crianças”, pois estariam “expostos em situação de risco sob a chuva” (as crianças, todas matriculadas em escolas públicas da região estavam bem, felizes e protegidas da chuva e sob o amparo e o aconchego familiar momentos antes da operação que derrubou o seu lar – como provam as imagens em vídeo). A tortura psicológica cruel e desnecessária - imposta por puro sadismo, como um tormento a mais - só cessou quando chegaram os parentes de Shimon Tenetehara que vivem no Rio de Janeiro, entre eles um advogado.

A esposa do Pajé, Maria, que teve pertences destruídos, passou mal durante a operação, desmaiando e ficando caída no chão. Nenhum dos cerca de 50 servidores e representantes municipais, tão ciosos em aterrorizar a senhora, que sofre com a pressão alta, fez a mínima menção de socorrê-la ou de chamar uma ambulância. As crianças choravam em desespero sob a indiferença dos agentes.

Durante a ação, o taxista Marcos Miranda teve o seu direito de ir e vir cerceado por um policial civil que o mandou parar, sendo impedido de aproximar seu carro do terreno, mesmo tendo declarado que estava fazendo um trabalho para o advogado Arão da Providência – só podendo subir a rua com a operação finalizada.

Agentes da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Niterói já haviam estado no terreno na segunda-feira, dia 22/02, alegando que averiguavam uma denúncia de que haviam “cortado uma árvore” e expressaram a preocupação com a possibilidade do local se transformar em uma “favela indígena” (o que denota mais inquietação quanto aos danos na cotação da área no mercado imobiliário do que propriamente com a questão ambiental). No dia seguinte, representantes da família indígena foram à Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Niterói e conversaram com os fiscais que lá estiveram e esses disseram que não havia processo administrativo nem flagrante ambiental, afirmando que nada fariam contra a família que se encontrava no local.

Na ocasião, os representantes Guajajara – proprietários do terreno – manifestaram o interesse de apresentar ao secretário Zaff um Plano de Manejo Sustentável, projeto que daria destinação à propriedade, aprovado pelas populações tradicionais de Niterói e pelo Fórum Estadual Intersetorial “Voz aos Povos: Quilombolas, Assentados e Acampados Rurais, Indígenas e Pescadores Artesanais”, entre outros conselhos. Ficou marcada uma reunião com o secretário Zaff para ontem, dia 26/02, às 11 horas da manhã, o que indica que esse atropelo de agenda feito pela secretaria – em ação, marcada pela total ausência de contraditório e pelo desrespeito à dignidade humana, sobre uma área na qual não havia processo administrativo até o dia 23/02 – pode ser interpretada como fruto de decisão pessoal de José Carlos Fernandes, o Zaff , que não quer saber de projeto de manejo sustentável, muito menos de famílias indígenas habitando em Niterói.

Ontem, 26/02, agentes municipais foram de manhã à casa de uma vizinha solidária, moradora tradicional, e com uma atitude debochada, rindo e fazendo piadas de mau-gosto, retiraram pertences da família indígena que ela havia guardado e levaram para o Depósito Municipal.

O atual secretário de Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Niterói - herdeiro da Expresso Barreto, uma das empresas de ônibus que mais desrespeitam o usuário no município - é bem conhecido pela sua ligação afetuosa com o mercado imobiliário. Quando vereador, Zaff não apenas demonstrou ser um ótimo amigo das empresas do ramo, como apresentou moção de congratulação à Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Niterói, a ADEMI, em 2007. Uma das realizações de Zaff quando edil foi a de conceder título de Cidadão Niteroiense ao seu bom camarada Stuessel Amora, um nome fortemente ligado à especulação imobiliária que promoveu campanha impiedosa e racista contra a presença de índios em Niterói em 2008, apresentando, inclusive – por meio da Soprecam, entidade da qual é eterno presidente -, uma liminar acatada por um Juiz da Terceira Vara Federal visando “impedir o aumento da população indígena em Camboinhas”.

Engana-se quem pensa que o Governo Jorge Roberto Silveira cometeu um equívoco ao escolher um personagem tão desvinculado ao ambientalismo como José Antonio Fernandes para a pasta de Meio Ambiente e Recursos Hídricos. O prefeito – cujo ato final de seu último governo foi a aprovação do PUR (Plano Urbanístico Regional), que passava por cima de toda legislação ambiental e de proteção ao patrimônio histórico, prevendo edificações sobre áreas de proteção ambiental e sobre sítios arqueológicos da cidade – paga ao jovem herdeiro do setor de transportes a sua fidelidade ao setor imobiliário.

A ação covarde e racista promovida pela Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos no loteamento coalhado de placas de “vende-se” (não é segredo para o poder público municipal que o terreno ao lado da casa do Pajé está sendo vendido com o “habite-se” incluído, o que significará uma derrubada considerável de árvores), sob a alegação de se tratar de uma “área de proteção ambiental”, demonstra uma clara preocupação de que a área desvalorize com o possível surgimento de “uma favela indígena” - segundo a expressão cunhada por Stuessel Amora - e nenhuma preocupação com o meio ambiente em si.

O único crime que os Guajajara desalojados em Maravista cometeram foi o de serem pobres – indígenas – e de construírem uma humilde casinha de taquara; o único “ilícito” cometido pelo Pajé Shimon Tenetehara foi o de ser indígena e ocupar – legalmente – uma área cobiçada pela especulação imobiliária.

A dor e a impotência do casal indígena e o terror experimentado pelas suas crianças ficarão gravados na carne. Dinheiro algum pagará por esse dano. Graças à imagem em movimento – e à invenção da câmera digital - esse terror ficará para sempre marcado na carreira política do senhor Zaff, junto ao seu desprezo pelas populações pobres e marginalizadas, o seu racismo, a sua desfaçatez, a sua total ausência de compaixão, a sua covardia. O Governo Jorge Roberto Silveira tenta imprimir – a ferro e fogo – a imagem de que a Região Oceânica de Niterói não é “Terra de Índio” e, sim, uma Mônaco provinciana destinada a novos burgueses e bem-nascidos. Mas a verdade luminosa que o Brasil inteiro é – por direito ancestral – berço e morada legítima dos Povos Originários – e de seus descendentes – para sempre resplandecerá nessa terra.

De Murilo Marques .

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