sexta-feira, 21 de agosto de 2009

A Candidatura Marina Silva



Marina Silva acaba de divulgar a carta de desfiliação do PT, o que mais ou menos garante que será mesmo candidata a presidente em 2010. Diz a carta da Marina:
Tive a honra de ser ministra do Meio Ambiente do governo Lula e participei de importantes conquistas, das quais poderia citar, a título de exemplo, a queda do desmatamento na Amazônia, a estruturação e fortalecimento do sistema de licenciamento ambiental, a criação de 24 milhões de hectares de unidades de conservação federal, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e do Serviço Florestal Brasileiro. Entendo, porém, que faltaram condições políticas para avançar no campo da visão estratégica, ou seja, de fazer a questão ambiental alojar-se no coração do governo e do conjunto das políticas públicas.
O que é, evidentemente, verdade. Gostei do fato de que uma turma grande do PT assinou um documento bastante respeitoso com o título “Companheira Marina”, onde se lê:
Não vemos suas angústias e dúvidas publicamente colocadas como um escândalo, portanto. Só os sectários não percebem o que a trajetória de vida e de militância política de Marina Silva significam para a afirmação da agenda socioambiental no Brasil. E, em torno desta agenda, o debate incontornável para desafiar a imaginação da sociedade na busca da qualificação do novo paradigma de desenvolvimento que desejamos para o país e para o planeta.
(…)
As esquerdas têm o dever de ouvir a voz de Marina Silva. As razões de Marina Silva. Ela, que já deu tanto à nossa geração, receba, agora, por todos os lados, a nossa mão estendida. As mãos que teceram ao longo de três décadas a rede de sonhos e esperanças que nos mobilizou a todos; a capacidade de organizar nossa ação na base da sociedade para reivindicar direitos sociais por meio da CUT; levantar bandeiras ambientais como nos “empates” liderados por Chico Mendes para deter a voracidade dos desmatadores da Amazônia; ou para formular e conduzir políticas públicas de desenvolvimento sustentável no Ministério do Meio Ambiente, liderados por ela. Nós que já sonhamos tanto por uma sociedade de harmonias, livre das opressões, precisamos também saber compor com as harmonias da Terra.
Bacana. Ninguém vai me ver dizendo que Marina Silva é uma vagabunda desmiolada reacionária a serviço do programa criacionista do Serra (embora ela tenha mesmo falado essa atrocidade sobre criacionismo) . Se ela não tiver credibilidade diante dos petistas, quem terá? E não saiu queimando as pontes, como fez Heloísa.
Agora, daí a eu votar nela em primeiro turno, vai uma distância. Há coisas ainda a esclarecer a respeito da candidatura Marina Silva.
1.
Embora comparações com Obama estejam aparecendo aqui e ali, há uma diferença fundamental entre Obama e Marina: Obama sucede Bush, um desastre político apoplético, vindo do outro lado do espectro político, que lançou a maior potência da história moderna em uma guerra caríssima e politicamente improdutiva, assistiu passivamente a formação da bolha imobiliária, e destruiu seu próprio partido elevando a posições de liderança ideológica seus elementos mais fanáticos. Marina Silva sucederia 16 anos de bons governos brasileiros, sendo que o último, saído do seu próprio lado do espectro político, foi bastante moderado, e, se tiver ameaçado a sobrevivência do seu partido, terá sido por excesso de compromisso, não por falta.
O fascínio despertado pela candidatura Marina vem, sem dúvida, de não se ter deixado corromper por todos esses compromissos. Mas a questão é: além de não ter se contaminado por aquilo em que o PT piorou, ela teria se deixado “contaminar” por aquilo em que o partido melhorou notavelmente?
Penso, antes de tudo, na política econômica. Qual o grau de Paloccidade de Marina? Pretende combinar política econômica responsável com distribuição de renda bem planejada e fiscalmente sustentável? Se Marina ainda representar aquelas besteiras que a gente falava nos anos 80, não dá nem pra começar a conversar. Aparentemente, há um esforço para atrair o PSOL para uma aliança. Se o PSOL teimar em ser o que foi até agora (o “Partido das besteiras que a gente falava nos anos 80″), isso praticamente elimina qualquer possibilidade de uma candidatura Marina viável, ou, creio eu, desejável.
Mas há mais. Como bem disse o Alon, os verdes brasileiros acabaram se tornando uma federação de vetos: são contra os transgênicos, as hidrelétricas, a energia nuclear, o agronegócio, mas não é muito fácil saber o que fariam ao invés disso tudo. Por exemplo, estou convencido que o maior aliado dos verdes é o progresso tecnológico. Qual seria a política de inovação dos verdes, por exemplo, com relação à biotecnologia? Falta um programa verde propositivo, embora, devo admitir, alguém que simplesmente impeça o desmatamento da Amazônia já me parece simpático.
Enfim, essa é a primeira coisa a se dizer sobre a candidatura Marina: se não representar um aggiornamento ideológico dentro da esquerda, não me interessa. Se representar, sou todo ouvidos.
2.
Me desespera que haja gente, e ainda gente que é paga para dar opinião sobre política, dizendo, “ah, finalmente uma pessoa honesta!”. Se você acha que o problema da corrupção no Brasil é que Lula ou FHC são cleptomaníacos, você provavelmente é uma mula, porque a outra desculpa - absoluta desinformação - dificilmente se aplica a quem lê blog de política como este.
A corrupção que alimenta nosso noticiário é um mecanismo de cooptação de apoio de parlamentares e forças políticas estaduais que se consolidaram em períodos não-democráticos da história brasileira (que é quase toda não-democrática) . Esses grupos mantém seu poder através da distribuição seletiva de favores em correntes de apoio parlamentarista, que vão da distribuição de um cargo a um aliado, em uma ponta, até o cabo eleitoral que garante 1000 votos em troca de uma grana, terminando no eleitor pobre que recebe algum favor do cabo eleitoral.
(Há outro tipo de corrupção, envolvendo lobbies e contribuições de campanha, que é mais difícil de combater, mas não vamos tratar disso aqui; basta dizer que é mais ligado ao primeiro tipo do que se pensa)
Se Marina Silva ganhar a presidência, vai ter que montar uma maioria parlamentar. No momento, os dois grandes blocos são PT-PMDB e PSDB-PFL. É possível que Marina governasse primeiramente com a turma do bloquinho (PDT-PCdoB-PSB) , mas ainda precisaria de dois partidos grandes. E PMDB e PFL só podem ser conquistados com os métodos de sempre.
De maneira que a honestidade pessoal de Marina (na qual acredito sinceramente) não indica qualquer mudança fundamental no funcionamento dos mecanismos de corrupção que caracterizam a política brasileira. Os dois últimos presidentes brasileiros são, provavelmente, pessoalmente honestos, mas acabaram presidindo sobre governos corruptos pela necessidade de conquistar maiorias parlamentares para, enfim, governar.
O que nos leva a nosso próximo ponto.
3.
Se você acha que a candidatura Marina Silva é só para marcar posição a favor do meio-ambiente, pule para o ponto 5. Vamos aqui supor que ela tenha chance mesmo de ganhar, e precise se preocupar com governabilidade.
Excluídas as alianças citadas no ponto 1, Marina Silva precisaria, para governar, de um reordenamento completo das forças políticas brasileiras. Se não for para fechar com PMDB e PFL, precisaria fechar com PT e PSDB ao mesmo tempo.
E isso ela já vinha sacando faz tempo. No bom artigo publicado pelo nem-sempre-lú cido Sirkis na Folha de domingo retrasado, isso é dito claramente:
No entanto, Marina tem um potencial além do eloquente discurso de primeiro turno para depois arrancar compromissos programáticos.
Ela pode contribuir para a superação dessa abissal fenda da política brasileira: a compulsória aliança das duas vertentes da social-democracia com as oligarquias políticas na busca da governabilidade.
PT e PSDB disputam, como lucidamente notou em certa ocasião o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, “quem vai liderar o atraso”.
No instável sistema político-institucion al produto do nosso “voto jabuticaba”, proporcional personalizado, ambos dependem do clientelismo e do fisiologismo profissional para governar. Melhor fariam em se aliar em algum momento, mas, como a disputa central se dá entre eles, isso dificilmente acontecerá, e a rivalidade entre eles é feroz.
Nós, verdes, nos relacionamos com ambos e reconhecemos o papel que respectivamente tiveram nos inegáveis avanços econômicos e sociais vividos pelo Brasil desde 1994.
Marina é bem talhada para promover uma nova governabilidade com ambas as vertentes que, enfim, supere essa polarização bizarra, isole o atraso e abra caminho para uma reforma do nosso sistema eleitoral, secando sua dependência do clientelismo, do fisiologismo e do assistencialismo, fontes maiores da corrupção, do excesso de cargos comissionados, do mau uso da máquina pública e da compra de votos, direta ou via centros assistenciais.
O direito de ter um sonho de país e lutar para tirá-lo do papel é inalienável. Os verdes não abrem mão dele, mas também reconhecem que isso transcende suas limitadas fileiras.
Nesse momento, é impossível saber, de fato, se Marina será ou não candidata. É uma decisão difícil, de fé íntima, que há que aguardar.
O caminho político, no entanto, é claro: não é anti-PT. Nossa fraternidade, muito particularmente com o PT do Acre, remonta a Chico Mendes.
Também não é antitucanos.
Bom, se for isso, e se Marina fizer a necessária atualização programática, não tem como não votar nela. Imaginem um governo que tivesse tudo de bom dos últimos quinze anos, em que eu não precisasse aguentar o PMDB, nem o PFL, nem a frente mensalão (PL, etc.): pra mim tá ótimo.
Mas alguém já combinou com os caras? Eu gostaria de ver uma aliança entre PT e PSDB, ainda mais sob inspiração ecológica (é uma espécide de dream team NPTO), mas há diversas dificuldades para isso acontecer:
Em primeiro lugar, PT e PSDB ficaram tanto tempo como as duas forças polarizadas da política brasileira que, provavelmente, os interesses empresariais e corporativos rivais já se alinharam entre um ou outro. Embora a divergência programática entre os dois partidos seja negociável, não sei se esses interesses são acomodáveis. Mas isso é politics as usual, o cara que faz esses acordos sabe que vai ser traído se a maré política mudar, de maneira que talvez não seja o maior obstáculo a nada.
Em segundo lugar, a aliança entre PT e PMDB ainda é mambembe, e o PT nos estados está louco para desfazê-la. Mas a aliança PSDB/PFL é bastante consolidada: na eleição passada o PSDB entregou a prefeitura da maior cidade do país para o PFL, que não teria a menor chance de chegar em sexto concorrendo sozinho. O PFL entraria na base do governo Marina Silva? Se não, aceitaria de bom grado ser marginalizado dessa forma?
Uma coisa que eu tenho achado interessante é o pouco entusiasmo demonstrado pelo Ex-Blog do César Maia com relação a Marina. Embora tenha feito as reverências de praxe na oposição, o Ex-Blog a comparou a Rigoberta Menchu, Nobel da Paz que concorreu na Guatemala e levou um toco miserável. Os pensantes no PFL sabem que, se a aliança agora for PSDB/PFL/alguma coisa meio esquerdosa centrada na Marina, eles perdem espaço rapidamente.
O PSDB, por seu lado, arriscaria essa aliança em nome de uma aposta como a nova coalizão Marina Silva? Uma coisa é os tucanos apoiarem Gabeira em um Estado em que são ridiculamente fracos e o prefeito do PFL não tinha nenhum sucessor natural. Outra é colocar em risco o acordo todo. Posso estar errado, mas vejo mais entusiasmo pela Marina no Aécio do que no Serra, que é o candidato mais orgânico da aliança.
Finalmente, porque o PT, com uma ótima candidata como a Dilma, um governo extraordinariamente popular como o do Lula, e uma oposição batendo cabeça, acharia que é hora de redefinir o jogo todo? Há um motivo, claro, escapar do PMDB, manter o partido nos Estados. Mas isso seria suficiente?
Minha impressão: se um dos dois lados da polarização atual não implodir até 2010, Marina não consegue fazer sua nova coalizão. Posso estar errado, é claro. Mas, mesmo supondo que não ganhe, que papel teria na eleição?
A propósito, o que escrevi acima já revela minha opinião sobre os que falam de Marina como algo contra PT e PSDB, como faz a Istoé essa semana. Não, o Brasil não é só PT e PSDB. Tem também o PFL e o PMDB. Há, é claro, uma enorme diversidade ideológica e política na população, mas, salvo golpe de Estado, é necessário construir a maioria no congresso com o que temos. E, entre os que temos, PT e PSDB são os melhorzinhos.
[Vale dizer, não é óbvio que seria bom se os dois melhores partidos estivessem do mesmo lado; mas isso é assunto para outro post]
4.
Supondo que Marina não ganhe, qual seu efeito na eleição?
Bem, é óbvio que tira voto de Dilma. Não tenho certeza sobre quantos votos tira, e pode ser que sejam bem poucos. Embora não estejamos satisfeitos com as alianças políticas, os eleitores do Lula estão razoavelmente satisfeitos com o governo para não tentar nada de muito diferente, a não ser, é claro, que Dilma imploda e não vá (ou perigue não ir) para o segundo turno.
Em um artigo que jamais poderá ser criticado por ter qualquer qualidade que seja, Danuza Leão argumenta o seguinte:
Lembro de quando Regina Duarte foi para a televisão dizer que tinha medo de Lula; Regina foi criticada, sofreu com o PT encarnando em cima dela -e quando o PT resolve encarnar, sai de baixo. Não lembro exatamente de que Regina disse que tinha medo -nem se explicitou-, mas de uma maneira geral era medo de um possível governo Lula. Demorei um pouco para entender o quanto Regina tinha razão. Hoje estamos numa situação pior, e da qual vai ser difícil sair, pois o PT ocupou toda a máquina, como as tropas de um país que invade outro. Com Dilma seria igual ou pior, mas Deus é grande.
Minha única esperança, atualmente, é a entrada de Marina Silva na disputa eleitoral, para bagunçar a candidatura dos petistas. Eles não falaram em 20 anos? Então ainda faltam 13, ninguém merece.
Seja bem-vinda, Marina. Tem muito petista arrependido para votar em você e impedir que a mestra em doutorado, Dilma Rousseff, passe para o segundo turno.
Bem, como seria de se esperar, se Danuza Leão for a estrategista dos caras, não precisamos nem entrar em campo. Imaginem Marina Silva lendo isso e pensando, “Ei, é impressão minha ou ela não está torcendo pra eu ganhar?”, imaginem Serra lendo isso e pensando, “Ah, beleza, vou eu para o segundo turno com alguém que vai ter todos os votos da Dilma e tem mais carisma, valeu mesmo, Danuza”, imaginem Alckmin pensando “Ufa! Não vou ser só eu que vou ter menos votos no segundo turno do que no primeiro”, imaginem o Lula pensando “Uza, Uza, Uza! Viva a Danuza!”.
Como já disse, só acho possível Dilma não ir para o segundo turno se implodir sozinha. Se isso acontecer, acho bom ter a Marina para votar como plano B. Se isso não acontecer, e Marina for para o segundo turno ao invés de Serra, ainda acho que Dilma ganhe, a não ser que Marina faça um excelente trabalho de conversão à responsabilidade econômica (era disso, Danuza, que Regina Duarte tinha medo, e estava 100% errada). Se perder, acho que devemos apoiar seu governo e disputar a hegemonia lá dentro. Mas não sei se precisamos nos preocupar com isso. Se Marina ameaçar Serra, as Danuzas Leão do caderno de política a derrubam.
É possível que Marina force um segundo turno? Sim, mas segundo turno provavelmente vai acontecer, mesmo. E, se for só por causa dela, paciência. O que eu acho é que o eleitorado que sair da Dilma para ela volta no segundo turno. E não sei se algumas pessoas desiludidas com o PT não voltariam a votar na legenda se Marina a apoiasse no segundo turno, o que acredito que faria (posso estar errado, claro). E não sei se a pressão de sua candidatura não forçaria o PT em direções que eu acharia bem-vindas, supondo, é claro, que Marina não concorra como populista ou fanática ambientalista.
Em suma, o pior que o PT pode fazer agora é hostilizar uma provável aliada de segundo turno. Se Marina resolver partir para a ignorância, mudamos de estratégia. Mas por enquanto, a polarização Dilma vs. Marina só interessa a Serra.
5.
Enfim, vamos ver o que a dona sabe fazer.
PS: aproveito para manifestar meu nojo absoluto dos órgãos da grande imprensa falando de Marina como símbolo do PT dos “bons tempos”. Eu vim do PT nos bons tempos, e ninguém nessa galera era exatamente nosso amigo.
PSTU: seria ridículo fazer o que o Dirceu sugeriu e pedir o mandato da Marina de volta, mas não me lembro de ver a mesma indignação na época em que o PFL começou com a idéia de pedir mandato de volta.

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