Numa proposta polêmica, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cézar Britto, defende que, diante da gravidade da crise do Senado, devem ser abertos "processos por quebra de decoro parlamentar" de todos os 81 senadores, na impossibilidade legal de uma renúncia coletiva para se refazer as eleições.
O apelo de Britto, feito em entrevista a Terra Magazine, decorre da percepção de que a crise "chegou a um ponto tão grave que é possível que os parlamentares compreendam que eles tenham que a resolver sob pena de condenar o próprio Senado".
O advogado identifica um "paradoxo" na defesa do presidente da Casa e na conduta do Conselho de Ética:
- Quando o presidente José Sarney (PMDB-AP) diz assim: "não é correto que me julguem precipitadamente sem me permitir defesa em um país democrático. Direito de defesa é fundamental" , o presidente José Sarney tem razão. Mas o paradoxo é que não se permitiu que se exercesse o direito de defesa porque se extinguiu o processo.
O presidente do Conselho de Ética, senador Paulo Duque (PMDB-RJ), arquivou as onze denúncias contra o presidente José Sarney sob a alegação de que eram baseadas em notícias de jornais, e portanto, fora do alcance parlamentar. Duque, porém, sinalizou que iria instaurar processo contra o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), que admitiu ter mantido um funcionário fantasma em seu gabinete.
A continuidade dos processos contra Sarney garantiriam, na avaliação de Britto, uma defesa íntegra do presidente do Senado. "No mínimo, temos que ter o processo para permitir que ele (Sarney) se defenda das acusações e a população saiba o retorno delas. E não fiquemos apenas em acusações", pontua o representante da OAB.
Cézar Britto argumenta que instrumentos como o "recall" fortalecem a "busca da legitimação política nos momentos de crise" e "fazem com que o país saia da própria crise". O recall integra a proposta de reforma política da OAB, bem como o fim do senador suplente, categoria em que se encaixa Duque, suplente do suplente do governador Sérgio Cabral (PMDB-RJ).
Terra Magazine - O que a sociedade ganharia com a renúncia dos 81 senadores?
Cézar Britto - Não temos proposta de renúncia coletiva dos senadores. A OAB fez uma reflexão pública demonstrando que a crise que atinge o Senado se generalizou fazendo com que a Casa perdesse credibilidade junto à opinião pública. Ao tempo de se pensar propor, de forma absurda, a extinção do próprio Senado. O que a OAB está propondo é que nós façamos a reforma política e dentre os itens, a aprovação do recall. E aí, sim, a possibilidade de o soberano povo, em casos de crises como esta, solicitar uma nova eleição confirmatória dos mandatos.
O que o senhor quer dizer com "recall moral" que a sociedade já teria imposto aos senadores?
O ideal seria, quando se tem crise, - e em alguns países já se fala - que aquele que é envolvido renuncie ou permita que o seu mandato possa se submeter à nova avaliação popular. É isso que a OAB está formulando, que se faça uma reforma política, que se crie mecanismo para que a população, já que o povo é soberano em uma democracia, possa ser agente solucionadora de crises. A proposta que nós apresentamos, há mais ou menos dois anos, antes, portanto, desta crise, foi acolhida pelo senador Suplicy (Eduardo, PT-SP), e tem como relator o senador Mercadante (Aloizio, PT-SP). Nós estamos pedindo que o Senado também permita que a população resolva as crises de identidade entre os seus representantes.
Quais medidas legais seriam necessárias?
No parlamento do Japão, a eleição já foi antecipada, exatamente porque havia perda de credibilidade no relacionamento entre o povo e seu parlamento. Há uma pressão para que a Inglaterra faça a mesma coisa. Nos Estados Unidos, é comum o recall. Aqui na América Latina, o presidente Evo Morales (Bolívia) colocou recentemente uma eleição de confirmação de seu mandato. São instrumentos como esse de busca da legitimação política nos momentos de crise que fazem com que o país saia da própria crise.
A sociedade brasileira mostra disposição para o recall?
É fundamental. E não se aplica apenas ao Executivo. Veja por exemplo, um prefeito que tenha denúncia de corrupção ou até questão de perda de confiança; a Câmara dos Vereadores não formula o impeachment, até porque é vinculada a ele. Nós vamos ter que esperar quatro anos? Nós temos que compreender que o político exerce um mandato. A titularidade é do povo, que a qualquer momento, em tempo de crise, tem o direito de cassar este mandato e escolher um novo para o lugar.
Tem outra situação que o Brasil vive em que seria bem vindo o recall?
Desde que assumi, já tem mais de dois anos, que destaco o recall como um dos melhores instrumentos de solução de crises. Nós discutimos recall na época do Renan Calheiros (PMDB-AL). Nós dizíamos: isso é um momento claro de que é possível o senador submeter o seu mandato àquele que o escolheu buscando legitimidade. Isso foi discutido em que Renan Calheiros era presidente do Senado, mas discutimos em relação a vários prefeitos e governadores. A população tem admitido essa idéia. O recall nasceu em uma ação conjunta de várias entidades: OAB, CNBB, ABN... O recall foi discutido no Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
Na questão do Senado, o senhor vê outras saídas para a crise?
Ela chegou a um ponto tão grave que é possível que os parlamentares compreendam que eles tenham que resolver sob pena de condenar o próprio Senado. Por exemplo, quando o presidente José Sarney (PMDB-AP) diz assim: "não é correto que me julguem precipitadamente sem me permitir defesa em um país democrático. Direito de defesa é fundamental" . O presidente José Sarney tem razão. Mas o paradoxo é que não se permitiu que se exercesse o direito de defesa porque se extinguiu o processo. Estes paradoxos que me deixam preocupado. Outro tópico da reforma política proposta pela OAB é o fim do senador suplente ou que pelo menos ele apareça na cédula e na campanha eleitorais. Porque os suplentes ocupam função importante, republicana, como os senadores, e ninguém sabe quem são.
Para aprofundar as investigações sobre o presidente Sarney, um afastamento ou uma renúncia conviriam?
No mínimo, temos que ter o processo para permitir que ele se defenda das acusações e a população saiba o retorno delas. E não fiquemos apenas em acusações. Um senador diz que o outro tem dedo sujo, a reposta é que o dedo sujo é do outro, e ninguém processa ninguém, ninguém discute por que aquele dedo está sujo.
Como fazer isso?
Já que não há uma renúncia coletiva dessas pessoas, que pelo menos se abra os processos por quebra de decoro parlamentar de todos eles para que possamos acompanhar uma investigação. E fazermos a reforma política para valer, incluindo o recall.
O recall não nivelaria todos os senadores moralmente?
O recall proposto pela OAB tem duas etapas. Pode ser feito individualmente, se a crise atinge um parlamentar especificamente, ou todo o Parlamento, quando há crise de legitimidade, que é o nosso caso. Convocarmos o recall para buscar a legitimidade do Senado. Não quer dizer que todos os senadores participem da mesma agonia ou que cometeram os mesmos ilícitos. Não perde o mandato, ele busca a confirmação enquanto está no mandato. É uma eleição de mandato confirmatório. Só quem não tiver o mandato confirmado tem que abrir a vacância para colocar eleição substitutiva.
A OAB fazer essa declaração neste momento de crise pode agravar o descrédito do Congresso?
Este momento é importante para mostrar que o instrumento criado no Brasil pode ser solucionador de crises. Acho que é uma saída importante para que o Senado se reconcilie considerando o povo. Cada senador colocando seu mandato à confirmação do povo.
Terra Magazine
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